A primeira epígrafe deste livro seria “O
que poderia ter sido também é um fato”. Mas fiquei com dúvidas.
Em primeiro lugar, porque sou a autora. O autor do livro pode ser o
autor da epígrafe? Em segundo lugar, porque hesitei sobre a palavra
“fato”, que me soa inadequada. Pensei em dizer: “O que poderia
ter sido também foi”. “Fato” é mais forte, mas o problema é
que é uma palavra — justamente — factual demais. Entretanto, a
segunda opção não transmite com a devida ênfase a radicalidade da
ideia. Decidi então, sem o escrúpulo de ser a autora e sem medo da
palavra “fato”, por:
O que poderia ter sido também é um
fato.
A segunda epígrafe também me deixou
hesitante. Li, em um ensaio de Jacques Derrida intitulado “Donner
la Mort”, uma reflexão sobre a beleza de se viver experiências
“indefinidamente pela primeira vez”. Gostei mais da formulação
do que necessariamente da ideia e gostaria de escrever, como
epígrafe, somente isto: “indefinidamente pela primeira vez”.
Mas, relendo, a frase fica vaga demais,
não remete à noção de viver tudo de forma inaugural, e, ademais,
uma epígrafe de Jacques Derrida me pareceu pedante, inadequada para
um livro como este. Decidi então manter somente a frase, ainda que
vaga:
Indefinidamente pela primeira vez.
A terceira epígrafe, por fim, novamente
me confundiu. Há muitos anos admiro a frase “O dever do cavalo é
botar um ovo” que, por alguma razão desconhecida, sempre atribuí
a Gertrude Stein. Agora, no momento de usá-la como epígrafe, fui
pesquisar onde a autora teria dito isso, virei e revirei e descobri
que não. Ela não disse essa frase. Seria mais uma frase de minha
autoria que eu teria — compreensivelmente — atribuído a ela? Não
penso ser eu a autora, pois não me lembro de tê-la criado e não
acho que ela combine com meu estilo. Mas não consigo descobrir seu
autor. Pode ser que seja mesmo eu, pode ser que não. Mas decidi
mantê-la:
O dever do cavalo é botar um ovo.
Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou
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