sábado, 31 de outubro de 2020

Epígrafes




        A primeira epígrafe deste livro seria “O que poderia ter sido também é um fato”. Mas fiquei com dúvidas. Em primeiro lugar, porque sou a autora. O autor do livro pode ser o autor da epígrafe? Em segundo lugar, porque hesitei sobre a palavra “fato”, que me soa inadequada. Pensei em dizer: “O que poderia ter sido também foi”. “Fato” é mais forte, mas o problema é que é uma palavra — justamente — factual demais. Entretanto, a segunda opção não transmite com a devida ênfase a radicalidade da ideia. Decidi então, sem o escrúpulo de ser a autora e sem medo da palavra “fato”, por:
O que poderia ter sido também é um fato.

A segunda epígrafe também me deixou hesitante. Li, em um ensaio de Jacques Derrida intitulado “Donner la Mort”, uma reflexão sobre a beleza de se viver experiências “indefinidamente pela primeira vez”. Gostei mais da formulação do que necessariamente da ideia e gostaria de escrever, como epígrafe, somente isto: “indefinidamente pela primeira vez”.
Mas, relendo, a frase fica vaga demais, não remete à noção de viver tudo de forma inaugural, e, ademais, uma epígrafe de Jacques Derrida me pareceu pedante, inadequada para um livro como este. Decidi então manter somente a frase, ainda que vaga:
Indefinidamente pela primeira vez.

A terceira epígrafe, por fim, novamente me confundiu. Há muitos anos admiro a frase “O dever do cavalo é botar um ovo” que, por alguma razão desconhecida, sempre atribuí a Gertrude Stein. Agora, no momento de usá-la como epígrafe, fui pesquisar onde a autora teria dito isso, virei e revirei e descobri que não. Ela não disse essa frase. Seria mais uma frase de minha autoria que eu teria — compreensivelmente — atribuído a ela? Não penso ser eu a autora, pois não me lembro de tê-la criado e não acho que ela combine com meu estilo. Mas não consigo descobrir seu autor. Pode ser que seja mesmo eu, pode ser que não. Mas decidi mantê-la:
O dever do cavalo é botar um ovo.

Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou

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