Há algumas semanas, tirei uma tarde de quinta-feira para passear com a minha enteada, que estava de férias. Cheguei em casa e perguntei o que ela queria fazer. Imaginei alguns pedidos: cinema, zoológico, parque de diversões. Em vez disso, ela perguntou: podemos andar de ônibus? Eu disse que sim e perguntei para onde. Ela não entendeu a pergunta, uma vez que para ela o programa divertido era andar de ônibus, simplesmente. Foi o que fizemos.
Isso me lembrou um sábado há quase dez anos, no qual levei minha sobrinha mais velha a uma sorveteria incrível, que tinha acabado de ser aberta no bairro. Havia uma linda varanda, mesas coloridas, trocentos sabores para escolher. Entrei na fila, fiquei um pouco horrorizada com os preços, mas perguntei a ela o que iria querer. Ela respondeu sem pestanejar “Picolé de uva”. Eu expliquei que ali não havia picolé de uva, mas, sim, outras coisas bem mais gostosas. O ar de decepção dela fez com que eu não pensasse duas vezes antes de atravessar a rua a caminho da padaria para terminarmos nossa tarde tomando sorvete de palito.
Na mesma linha, veio a minha sobrinha caçula de 1 ano e meio, que, em meio a seus tantos brinquedos coloridos e sonoros – que estão muito longe de custar pouco –, elegeu como seu favorito um frasco de plástico vagabundo dentro do qual há alguns grãos de feijão. Na concepção dela, nada pode ser mais interessante do que aquilo, nem Fisher-Price, nem Chicco, nem nada.
Depois foi o meu afilhado de 8 anos, que disse que ainda não sabe se, quando crescer, vai ser “aquelas pessoas que cuidam de tartarugas marinhas antes de elas voltarem pro mar” ou lixeiro, para poder andar pendurado no caminhão à noite. O que eu deveria dizer para ele? Que ser advogado como eu seria bem mais divertido?
Comecei a me perguntar em que momento da vida nós deixamos de ter tanto apreço pela simplicidade. Não me parece que tenha somente a ver com a necessidade de ganhar dinheiro, com as novas experiências ou com o paladar apurado. Parece-me que tem muito mais a ver com a preocupação que passamos a ter com os olhares alheios e com os hábitos que nos são “impostos” por aqueles com quem convivemos.
O carro, o restaurante, o vinho, a bolsa. Quanto disso nós escolhemos de verdade, por puro e simples gosto ou prazer? Não sei, sinceramente. Será que o que nos incentiva (ou nos amarra, ou nos obriga) não é a importância que passamos a dar para a opinião daqueles que nos cercam? O famoso “mas o que vão pensar de mim?”, que nós temos de forma tão intensa e as crianças simplesmente não têm.
Num dado momento, já não sabemos, dentre as coisas que temos e a rotina que vivemos, o que está ali porque nos agrada e o que está ali porque, supostamente, faz bem para a nossa imagem. Outro dia, alguém me disse: “Você ainda vai aprender a gostar de ostras.” Eu não quero aprender a gostar de ostras. Por que eu deveria aprender a gostar de ostras? Minha cota não pode ser em cachorro-quente? Ou em coxa de frango? Será que não pega bem?
Talvez nós possamos investir num exercício diário de resgate da simplicidade. Isso é muito útil para a vida – sobretudo em um cenário de crise. Redescobrir nossos prazeres sem custo, exercitar nossa capacidade de não ligar para o que os outros pensam, bem como de não julgar as decisões alheias.
Sair a pé, deixar o carro na garagem – ou até se desfazer dele –, tomar cerveja no balcão da padaria, encontrar um amigo sem precisar de um belo jantar à frente de ambos, comprar roupa sem marca, sentar-se na grama, comer milho na espiga. A vida deveria ser mais simples do que é. Há quem consiga concretizar essa proeza. E nós, adultos, estamos sempre tentando mostrar-lhes o que há de bom no mundo. Mas são esses pequenos que sabem viver muito melhor do que nós. Só nós que não percebemos.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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