Conheço um rapaz que fantasia o tempo
todo. Quer dizer, o sujeito caminha pela rua com os olhos fechados.
Um dia, sentado no banco do carona do carro dele, olhei para a
esquerda e o vi com ambas as mãos no volante e os olhos fechados.
Falando sério, ele dirigia de olhos fechados.
– Chagui – digo –, isso não é uma
boa ideia. Abra os olhos, cara. – Mas ele continuou dirigindo como
se tudo estivesse bem.
– Você sabe onde estou agora? – ele
me pergunta.
– Abra os olhos – insisto. – Vamos,
abra logo, isso já está me assustando. – Por milagre, não acabou
em desastre.
O fulano fantasia sobre casas de outras
pessoas, fantasia que são a casa dele. Sobre carros, sobre
trabalhos. Não importa o trabalho. Sobre a esposa. Imagina que
outras mulheres são a sua esposa. E também sobre crianças.
Crianças que encontrava na rua ou no parque, ou que tinha visto em
algum seriado de TV. Imagina-as no lugar de seus filhos. Passava
horas fazendo isso. Se dependesse dele, passaria a vida inteira
assim.
– Chagui – eu lhe digo –, Chagui,
acorde. Acorde para a sua própria vida. Você tem uma vida incrível.
Uma mulher fantástica. Filhos encantadores. Acorde.
– Pare – ele responde, afundado em
seu pufe. – Pare, não estrague tudo. Você sabe com quem eu estou
agora? Com Yotam Ratsabi, que serviu comigo no batalhão como
sargento de operações. Estou em um passeio de jipe com Yotam
Ratsabi. Só eu, Yoti e o pequeno Eviatar Mendelssohn. Ele é o
garoto mais espertinho da turma de Amit no jardim. E Eviatar, este
pequeno demônio, me diz: “Papai, estou com sede. Você pode me dar
uma cerveja?” Você percebe? O menino nem tem sete anos. Então eu
digo: “Não dá para ser cerveja, Evi. Mamãe não deixa.” A mãe
dele, minha ex, é Lilach Yedidia, da época da escola. Bonita como
uma modelo, reconheço, mas dura, dura como uma pedra.
– Chagui – digo do sofá –, não é
seu filho e não é sua esposa. Você não está divorciado, cara,
você é feliz no casamento. Abra os olhos.
– Toda vez que vou devolver o menino
para ela, fico de pau duro – Chagui continua, como se não me
ouvisse –, como o mastro de um navio. Ela é linda, minha ex,
bonita, mas dura. E essa dureza é que me faz ficar de pau duro.
– Ela não é sua ex, e não é bem uma
ereção isso que você tem. – Eu sei do que estou falando. Ele
está a um metro de distância de mim, de cueca. Sem
– Tivemos que nos separar – diz ele
–, eu não me sentia bem com ela. E ela? Nem ela ficava bem com ela
mesma.
– Chagui – eu imploro –, o nome de
sua esposa é Karny. E sim, ela é linda. Mas ela não é dura. Não
com você. – A esposa dele é muito suave. Ela tem a alma gentil de
um pássaro e um grande coração, sente pena de todos. Já estamos
juntos há nove meses. Chagui começa a trabalhar cedo, então eu
venho vê-la às oito e meia, logo depois que ela deixa as crianças
na escola.
– Lilach e eu nos conhecemos no ensino
médio – ele continua. – Ela foi a minha primeira e eu fui o
primeiro dela. Depois que nos divorciamos, transei muito por aí, mas
nenhuma das mulheres chegou aos pés dela. E ela, pelo menos de
longe, parece que ainda está sozinha. Se eu descobrisse de repente
que ela tem alguém, isto iria me quebrar, ainda que estejamos
divorciados. Me quebraria em pedaços. Eu simplesmente não
suportaria. Nenhuma das outras significa alguma coisa. Apenas ela.
Ela é a única que sempre esteve lá.
– Chagui, ela se chama Karny, e ninguém
está com ela. Vocês ainda são casados.
– Com Lilach também não tem ninguém
– diz ele, e lambe os lábios secos –, nem com Lilach. Eu me
mataria se houvesse.
Karny chega agora em casa, carregando uma
sacola de compras. Ela joga um oi casual em minha direção. Desde
que estamos juntos, tenta parecer mais distante quando há outras
pessoas ao redor. Ela nem cumprimenta Chagui, sabe que não tem o que
conversar com ele quando os olhos dele estão fechados.
– A minha casa – diz ele – fica bem
no centro de Tel Aviv. Bonita, com uma amoreira junto à janela. Mas
é pequena, de fato muito pequena. Preciso de mais um quarto. Nos
fins de semana, quando as crianças estão comigo, preciso abrir o
sofá para elas na sala. Não é legal. Se eu não encontrar uma
solução até o verão, vou ter de me mudar.
Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta
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