U,
hum. Agora ter que aguentar esse bebo belzebu. O que é que ele me
dá? Bolacha na desmancha. Porradela na canela. Eu era mais feliz
antes. Quando o avião estrangeiro chegava e a gente rodava no
aeroporto. Na boca quente da praia. Pelo menos, um príncipe me
encantava. Naquele feitiço de sonho. De ir conhecer outro Lugar, se
encher de ouro. Comprar aliança. U, hum.
Casar
tinha futuro. Mesmo sabendo de umas que quebravam a cara. O gringo
era covarde, levava para ser escrava. Mas valia. Menos pior que essa
vida de bosta arrependida. De coisa criada. Qual é a minha esperança
com esse marido barrigudo, eu grávida? Que leite ele vai construir?
Se
for menina, vou ensinar assim: no porto, no Carnaval. No calçadão
de Boa Viagem. Com cuidado para a polícia não ver a sacanagem. E
querer participar. Um dia, eu tive que foder com a tropa inteira da
delegacia. Mexeram comigo até o dia amanhecer. E ainda ficaram
tirando onda: que eu devia respeitar o homem brasileiro. Rarará.
Mataram a Vaniclélia, lembra, não lembra, lembra? De tanto que
afolozaram ela.
Homem?
U-hum. Não vale um tostão pelas bandas daqui. Os caras pelo menos
tinham educação, outra finura: levavam a gente para restaurante,
deitavam a gente em cama d'água. Sabonete de colônia. A gente era
respeitada. Precisava ver como o garçom e o pivete e o gerente e o
taxista da frente e o povo todo nos tratava. O que cada um ganhava de
gorjeta não era brincadeira. Acabava saindo rendendo pra todo mundo.
Uma beleza!
Agora
que valor me dá esse belzebu? Quanto vale ele ali, na praça?
Pergunta, pergunta. A vida dele é me chamar de piranha e de
vagabunda. E tirar sangue de mim. Cadê meus dentes? Nem vê que eu
tô esperando uma criança. Agora, disso ninguém tem ciência.
Ninguém dá um fim.
Mulher
como eu ser tratada assim.
Marcelino
Freire, in Contos Negreiros
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