terça-feira, 25 de agosto de 2020

Poesia sem deuses

A máquina de fazer versos foi invenção de um moço do Pará, que levou cinco anos para torná-la perfeita. Os poetas locais e do país protestaram contra a novidade, alegando que a poesia é negócio de deuses, e baixa para cada um em hora imprevisível.
Estácio, o inventor, nem ligou. Produzia sonetos, baladas, rondéis, haicais, martelos agalopados, vilancicos, da melhor fatura.
Quem desejasse assumir a autoria de um poema encomendava-o a Estácio e, sob sigilo, era atendido. Cobrava caro. Os clientes ganhavam prêmios acadêmicos e distinções várias, justificando a tabela. Em dezembro, os negócios atingiam o ápice.
Junho era mês de renovação de estoque, para poetas menores.
Estácio enriqueceu e morreu, deixando aos filhos a máquina maravilhosa. Eles não souberam acioná-la, e daí resulta que a produção corrente de poesia, divulgada no país, não é de qualidade superior.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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