terça-feira, 18 de agosto de 2020

Misto-Quente / 26

Todas as manhãs minha mãe seguia para seu emprego mal pago e meu pai, que nem mais trabalho tinha, também saía junto com ela. Ainda que a grande maioria de nossos vizinhos estivesse desempregada, meu pai não queria que pensassem que ele era como eles, um desempregado. Desse modo, ele pegava o carro a cada manhã, sempre no mesmo horário, e saía como se estivesse indo trabalhar. Então, ao anoitecer, retornava como se tivesse cumprido o expediente. Isso era bom, porque eu tinha o lugar só para mim. Eles trancavam a casa, mas eu conhecia uma maneira de entrar. Eu destravava a porta de tela com um cartão. A porta dos fundos ficava chaveada por dentro. Eu passava um jornal por debaixo da porta, empurrava a chave pelo buraco da fechadura e fazia com que ela caísse sobre o jornal. Depois, puxava a folha para dentro, arrastando junto com ela a chave. Abria-a e entrava. Ao sair, eu trancava primeiramente a porta de tela, na sequência a porta dos fundos, deixando a chave ali. Por fim, saía pela porta da frente que tinha um trinco que fechava sozinho.
Gostava de ficar sem a companhia de ninguém. Certo dia, estava me divertindo com um dos meus jogos. Havia um relógio junto à chaminé com um ponteiro que marcava os segundos, e eu competia para ver quanto tempo aguentava sem respirar. A cada nova tentativa, superava meu recorde anterior. Sofria bastante, mas me sentia orgulhoso com cada segundo que eu ganhava, estabelecendo uma nova marca. Naquele dia, consegui superar meu melhor tempo em cinco segundos e estava recuperando meu fôlego quando caminhei até a janela da frente. Era uma janela grande, coberta por cortinas vermelhas. Havia uma fenda entre elas e olhei para fora. Jesus Cristo! Nossa janela dava diretamente para a varanda da casa dos Anderson. A sra. Anderson estava sentada nos degraus, e eu podia ver direitinho a abertura formada por suas pernas no vestido. Tinha uns 23 anos e possuía pernas maravilhosamente bem torneadas. Eu podia ver quase tudo. Então lembrei do binóculo de exército do meu pai. Ele estava na prateleira de cima do seu armário. Corri para buscá-lo, voltei depressa e me agachei junto à janela, ajustando o foco nas pernas da sra. Anderson. Era como se eu estivesse entre elas! E era diferente de olhar para as pernas da srta. Gredis: você não precisava fingir que não estava olhando. Dava para se concentrar. E foi o que fiz. Eu estava lá. Sentia-me incendiado. Jesus Cristo, que pernas, que rabo! E cada vez que ela se mexia era insuportável e inacreditável.
Fiquei de joelhos e segurei o binóculo com uma das mãos, puxando meu pau para fora com a outra. Cuspi na palma da mão e comecei. Por um momento, pensei ter visto uma ponta da calcinha. Eu estava quase gozando. Parei. Fiquei olhando mais um pouco através do binóculo e comecei a me masturbar outra vez. Quando estava novamente no limite, voltei a parar. Então esperei e recomecei a punheta. Dessa vez, sabia que não conseguiria segurar. Ela estava logo ali. Eu olhava diretamente para suas coxas! Era como fodê-la. Gozei. Minha porra se espalhou pela madeira do assoalho no espaço entre eu e a janela. Era branca e grossa. Ergui-me e fui até o banheiro em busca de papel higiênico, voltei e limpei a sujeira. Retornei ao banheiro, joguei o papel na privada e dei a descarga.
A sra. Anderson vinha e se sentava naqueles degraus quase todos os dias e cada vez que ela fazia isso eu apanhava o binóculo e descascava uma em sua homenagem.
Se o sr. Anderson um dia chegasse a descobrir, pensei, era capaz de me matar...
Meus pais iam ao cinema todas quartas-feiras à noite. No cinema havia sorteios de dinheiro e eles tinham esperança de ganhar um dos prêmios. Foi numa noite de quarta que descobri algo. Os Pirozzi moravam numa casa situada ao sul da nossa. Nossa entrada de carro se estendia até o lado norte da casa deles, e lá havia uma janela que dava para a sala da frente. A janela era coberta por uma cortina quase transparente. Havia um muro que se transformava em arco na frente da nossa entrada de carro e por ali se espalhavam diversos arbustos. Quando me posicionava entre o muro e a janela, no meio daqueles arbustos, ninguém conseguia me ver da rua, especialmente à noite.
Eu me arrastei até lá. Foi sensacional, melhor do que eu tinha esperado. A sra. Pirozzi estava sentada no sofá lendo um jornal, as pernas cruzadas. Numa poltrona, do outro lado da sala, o sr. Pirozzi também lia um jornal. A sra. Pirozzi não era tão jovem quanto a srta. Gredis ou a sra. Anderson, mas possuía pernas respeitáveis e usava saltos altos e cada vez que virava uma página do jornal descruzava e voltava a cruzar as pernas, fazendo a saia se erguer ainda mais, favorecendo minha visão.
Se meus pais voltassem do cinema e me pegassem ali, pensei, então eu seria um homem morto. Mas valia a pena. Valia o risco.
Eu ficava bem quieto debaixo da janela e olhava para as pernas da sra. Pirozzi. Eles tinham um enorme collie, Jeff, que dormia na frente da porta. Naquele dia eu havia olhado para as pernas da srta. Gredis durante a aula de Inglês, batido uma punheta olhando as pernas da Sra. Anderson, e agora tinha mais. Por que o sr. Pirozzi não olhava para as pernas da mulher? Ficava apenas lendo o jornal. Era óbvio que a sra. Pirozzi tentava provocá-lo, porque sua saia não parava de subir, mais e mais. Então ela virou uma página e cruzou as pernas com bastante rapidez, fazendo a saia recuar, expondo as coxas branquíssimas. Ela parecia ser feita de creme de leite! Inacreditável! Ela era a melhor de todas!
Então, com o canto do olho, vi as pernas do sr. Pirozzi se moverem. Ergueu-se com bastante rapidez e caminhou até a porta da frente. Comecei a correr, me chocando com os arbustos. Escutei-o abrir a porta. Eu já havia percorrido a distância da entrada de carro e me encontrava em nosso quintal, atrás da garagem. Fiquei ali um momento, escutando. Então escalei a cerca traseira, por sobre as trepadeiras e cheguei ao quintal seguinte. Atravessei-o e então segui por uma entrada de carro, comecei a correr em direção ao sul pela rua, como se fosse um cara praticando para uma prova de atletismo. Não havia ninguém me seguindo, mas mesmo assim continuei no mesmo ritmo.
Se ele descobrisse que era eu, se contasse a meu pai, eu estava morto.
Mas quem sabe se ele não foi apenas levar o cachorro para dar uma cagada?
Segui correndo até a avenida West Adams e sentei num banco do ponto de bonde. Fiquei ali sentado por uns cinco minutos. Depois, voltei para casa. Ao chegar lá, meus pais ainda não tinham voltado. Entrei e me despi, apaguei as luzes e esperei pelo amanhecer...
Noutra noite de quarta-feira, Carequinha e eu estávamos caminhando pelo atalho que costumávamos tomar entre dois prédios de apartamentos. Seguíamos em direção à adega de seu pai quando Carequinha parou junto a uma janela. A persiana estava quase que inteiramente baixada, mas não por completo. Carequinha parou, se inclinou e deu uma espiada no que acontecia lá dentro. Acenou para que eu me aproximasse.
O que é? – sussurrei.
Veja!
Havia um homem e uma mulher na cama, nus. Apenas um lençol os cobria parcialmente. O homem tentava beijar a mulher, e ela o afastava.
Pelo amor de Deus, Marie, dá pra mim!
Não!
Mas estou com tesão, por favor!
Tire essas suas malditas mãos de cima de mim!
Mas, Marie, eu te amo!
Você e esse seu amor fodido...
Marie, por favor.
Quer calar a boca?
O homem se virou em direção à parede. A mulher pegou uma revista, ajeitou um travesseiro sob a cabeça e começou a ler. Carequinha e eu nos afastamos da janela.
Jesus – disse o Carequinha –, isso me deu nojo!
Pensei que fôssemos ver alguma coisa.
Quando chegamos à adega, o velho do Carequinha havia trancado a porta com um enorme cadeado.
Tentamos aquela janela diversas vezes, mas nunca vimos, de fato, nada acontecer. Era sempre a mesma coisa.
Marie, já faz um tempão. Estamos morando juntos, entende? Somos casados.
Grande merda!
Só desta vez, Marie, e não volto a incomodar você. Não vou incomodá-la por um bom tempo, prometo!
Cala a boca! Você me deixa doente!
Carequinha e eu nos afastamos.
Merda – eu disse.
Merda – ele disse.
Acho que ele não tem pau – falei.
É bem provável – respondeu Carequinha.
Deixamos de aparecer por ali.
Charles Bukowski, in Misto-Quente

Nenhum comentário:

Postar um comentário