Todo
camburão tem um pouco de navio negreiro.
Marcelo
Yuka
Violência
é o carrão parar em cima do pé da gente e fechar a janela de vidro
fumê e a gente nem ter a chance de ver a cara do palhaço de gravata
para não perder a hora ele olha o tempo perdido no rolex dourado.
Violência
é a gente naquele sol e o cara dentro do ar condicionado uma duas
três horas quatro esperando uma melhor oportunidade de a gente
enfiar o revólver na cara do cara plac.
Violência
é ele ficar assustado porque a gente é negro ou porque a gente
chega assim nervoso a ponto de bala cuspindo gritando que ele passe a
carteira e passe o relógio enquanto as bocas buzinam desesperadas.
Violência
são essas buzinadas e essa fumaça e o trânsito parado e o outro
carro que não entende que se dependesse da gente o roubo não
demoraria essa eternidade atrapalhando o movimento da cidade.
Violência
é você pensar que tudo deu certo e nada deu certo porque quando
você vê tem um policial ali perto e outro policial ali perto
querendo salvar o patrimônio do bacana apontando para a nossa cabeça
um 38 e outro 38 à paisana.
Violência
é acabarem com a nossa esperança de chegar lá no barraco e beijar
as crianças e ligar a televisão e ver aquela mesma discussão
ladrão que rouba ladrão a aprovação do mínimo ficou para a
próxima semana.
Violência
é a gente ficar com a mão levantada cabeça baixa em frente à
multidão e depois entrar no camburão roxo de humilhação e pancada
e chegar na delegacia e o cara puxar a nossa ficha corrida e dizer
que vai acabar outra vez com a nossa vida.
Violência
é a gente receber tapa na cara e na bunda quando socam a gente
naquela cela imunda cheia de gente e mais gente e mais gente e mais
gente pensando como seria bom ter um carrão do ano e aquele relógio
rolex mas isso fica para depois uma outra hora.
Esquece.
Marcelino
Freire, in Contos Negreiros
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