quinta-feira, 6 de agosto de 2020

As coisas são assim porque estão assim constituídas

As partes do todo que por natureza estão compreendidas no universo, perecem necessariamente (entenda-se “perecem” no sentido de “alteram-se”). Se isso é por natureza um mal e uma necessidade para elas, o todo não estaria bem dirigido, estando as partes sujeitas a alterar-se e sendo constituídas de molde a perecerem de diversas maneiras. Teria a natureza o desígnio de fazer mal, ela mesma, às suas próprias partes e de sujeitá-las ao mal e a necessariamente permanecer no mal, ou ter-lhe-ia escapado que as coisas acontecem assim? Ambas as hipóteses são incríveis. Mas ainda que, não levando em consideração a natureza, se procurasse explicar que as coisas são assim porque estão assim constituídas, seria ridículo afirmar que as partes do todo estão naturalmente constituídas para transformar-se e ao mesmo tempo admirar-se e inquietar-se como se algo estivesse acontecendo contrariamente à natureza, particularmente porque dessa dissolução saem os mesmos elementos de que as coisas se compõem. De fato, ou se trata de uma dispersão dos elementos de que elas se compõem, ou de uma mudança do elemento sólido em substância de aspecto terreno, do gasoso em substância aeriforme, de tal maneia que esses elementos são reabsorvidos na razão universal, seja em decorrência de destruições periódicas pelo fogo ou de renovação por transformações infinitas. E não imagines que o sólido e o gasoso se criem por ocasião de tua geração. Tudo isso recebeu seu influxo somente ontem ou anteontem, vindo do alimento e do ar inspirado. Então esse influxo sofre transformações que recebeu e não o que sua mãe deu à luz. Supõe, todavia, que isso está estreitamente ligado à tua própria constituição; nada há de incompatível, penso, com o que disse há pouco.
Marco Aurélio, in Meditações

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