sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A mineira calada

Aninha é uma mineira calada que trabalha aqui em casa. E, quando fala, vem aquela voz abafada. Raramente fala. Eu, que nunca tive empregada chamada Aparecida, cada vez que vou chamar Aninha, só me ocorre chamar Aparecida. É que ela é uma aparição muda. Um dia de manhã estava arrumando um canto da sala, e eu bordando no outro canto. De repente – não, não de repente, nada é de repente nela, tudo parece uma continuação do silêncio. Continuando pois o silêncio, veio até a mim a sua voz: “A senhora escreve livros?” Respondi um pouco surpreendida que sim. Ela me perguntou, sem parar de arrumar e sem altear a voz, se eu podia emprestar-lhe um. Fiquei atrapalhada. Fui franca: disse-lhe que ela não ia gostar de meus livros porque eles eram um pouco complicados. Foi então que, continuando a arrumar, e com voz ainda mais abafada, respondeu: “Gosto de coisas complicadas. Não gosto de água com açúcar.”
Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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