Aninha
é uma mineira calada que trabalha aqui em casa. E, quando fala, vem
aquela voz abafada. Raramente fala. Eu, que nunca tive empregada
chamada Aparecida, cada vez que vou chamar Aninha, só me ocorre
chamar Aparecida. É que ela é uma aparição muda. Um dia de manhã
estava arrumando um canto da sala, e eu bordando no outro canto. De
repente – não, não de repente, nada é de repente nela, tudo
parece uma continuação do silêncio. Continuando pois o silêncio,
veio até a mim a sua voz: “A senhora escreve livros?” Respondi
um pouco surpreendida que sim. Ela me perguntou, sem parar de arrumar
e sem altear a voz, se eu podia emprestar-lhe um. Fiquei atrapalhada.
Fui franca: disse-lhe que ela não ia gostar de meus livros porque
eles eram um pouco complicados. Foi então que, continuando a
arrumar, e com voz ainda mais abafada, respondeu: “Gosto de coisas
complicadas. Não gosto de água com açúcar.”
Clarice
Lispector, in Todas as crônicas
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