quinta-feira, 11 de junho de 2020

Duelo


A cena vem a ser esta: em um cinematógrafo da avenida Meeks estão passando um filme do Oeste, um desses filmes que está salvando o gênero épico para nosso tempo, tão acovardado e tão sombrio. E previsivelmente, a cena termina, essa é uma regra do gênero, termina a balaços. E há um momento em que o herói mata o sheriff, há um tiroteio. E entre os espectadores está um negro, bastante famoso, alto, magro, chamado o “Sem Barriga”. E o “Sem Barriga” tinha uma antiga conta que saldar com o comissário. E recordam vocês que o sheriff, quer dizer, o comissário do Arizona ou do Texas, que é um homem malvado, é morto pelo herói com um balaço. E então, entre os balaços da tela, e confundido com eles, soa outro balaço, ainda mais estrepitoso, o do “Sem Barriga”, que mata o comissário. Aqui podemos pensar, esta seria a explicação mais triste, em um artifício, podemos pensar que o “Sem Barriga” pensou que seu balaço passaria inadvertido entre os balaços de Holllywood. Mais lindo ainda é imaginar, e creio que sempre devemos optar pela explicação mais estética, mais lindo é imaginar que o “Sem Barriga”, que deve haver sido um homem simples, se sentiu arrebatado pelo filme, o confundiu com a realidade, assim como o gaúcho de Estanislao del Campo confundiu o Fausto da ópera com um homem que faz pactos com o diabo. E então não quis ser menos que o cowboy, sacou o revólver e matou o comissário.”
Jorge Luis Borges, in El Tango, cuatro conferencias, trecho traduzido por Vicente Januário, sebista de Natal - RN

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