Todos
os dias recebemos estranhas visitas em nossa casa. Entram por uma
caixa mágica chamada televisão. Criam uma relação de virtual
familiaridade. Aos poucos passamos a ser nós quem acredita estar
vivendo fora, dançando nos braços de Janet Jackson. O que os vídeos
e toda a sub-indústria televisiva nos vêm dizer não é apenas
“comprem”. Há todo um outro convite que é este: “sejam como
nós”. Este apelo à imitação cai como ouro sobre azul: a
vergonha de sermos quem somos é um trampolim para vestirmos esta
outra máscara.
O
resultado é que a nossa produção cultural se está convertendo na
reprodução macaqueada da cultura dos outros. O futuro da nossa
música poderá ser uma espécie de hip hop tropical, o
destino da nossa culinária poderá ser o McDonald’s.
Falamos
da erosão dos solos, da desflorestação, mas a erosão das nossas
culturas é ainda mais preocupante. A secundarização das línguas
moçambicanas (incluindo da língua portuguesa) e a ideia de que só
temos identidade naquilo que é folclórico são modos de nos
soprarem ao ouvido a seguinte mensagem: só somos modernos se formos
americanos.
A
nossa sociedade tem uma história similar à de um indivíduo. Ambos
os percursos são marcados por rituais de transição: o nascimento,
o fim da adolescência, o casamento, o fim da vida.
Olho
a nossa sociedade urbana e pergunto-me: será que queremos realmente
ser diferentes? Porque vejo que esses rituais de passagem se
reproduzem como fotocópia fiel daquilo que sempre conheci na
sociedade colonial. Estamos dançando a valsa, com vestidos
compridos, num baile de finalistas que é decalcado daquele do meu
tempo. Estamos copiando as cerimônias de final do curso a partir de
modelos europeus da Inglaterra medieval. Casamo-nos de véus e
grinaldas e atiramos para longe da avenida Julius Nyerere tudo aquilo
que possa sugerir uma cerimônia mais enraizada na terra e na
tradição moçambicana.
Mia
Couto, in Os sete sapatos sujos (Oração de Sapiência no
ISCTEM, Maputo, 2006).
Nenhum comentário:
Postar um comentário