O
rei, viva o nosso rei. Rei, rei, rei.
O
Rei, lá de cima, olhava. Abria os braços e elas gritavam. As
meninas. Que tinham vindo de todos os pontos da cidade. Pobres e
ricas. Tinham deixado suas casas, os empregos, as escolas. A cidade
estava parada por causa do Rei. E ele sabia disso. Por isso sorria e
abria os braços.
Viva
o Rei, viva o Rei.
Mandara
avisar a todos. Subira à sacada. A rua e os prédios estavam cheios.
Era como um grande auditório. Havia brigas, palmas, gritos, choros,
cantos, lamentos, uivos, histerismo, desmaios. Cantavam suas músicas.
Havia conjuntos, orquestras, bandas. E as pajens, bem embaixo. Na
porta do prédio. Fiéis. Via suas roupas coloridas, os cabelos
compridos, ouvia os guizos das pulseiras. As pulseiras marca Rei. Via
outras pajens, no meio da multidão, comprimidas, sem conseguirem
furar o bloco de gente.
Para
onde olhasse, o Rei via povo. Acenavam com os lenços. Choravam.
Bobagem. Pra que chorar? Vou fazer isto porque amo vocês. Amo
demais.
As
mãos lá embaixo erguiam as imagens. Ele = bloquinhos de gesso
branco. Seu rosto nas mãos das meninas, das mães, dos homens.
Rei,
rei, abençoa, abençoa aqui.
Aqui.
Não
aqui.
Aqui,
rei.
Eu
te amo, eu te amo.
Ele
ergueu as mãos, abençoou. As pajens sacudiram os guizos e o som
suave encheu a rua.
Os
helicópteros desciam. Jogavam redes. Não me pegam. Os homens nos
prédios em frente tentam me laçar. Eu rio deles. Não se laça um
Rei. Não, não vou contar para vocês. Eu amo todo mundo. Mas
ninguém me odeia. Eu me sufoco por ser tão amado.
Atirou
para o ar um maço de fotos. Elas tinham o fundo prateado. O Rei se
atirou também. Tudo flutuou no ar. O papel prateado brilhava ao sol.
As pajens do Rei gritaram. Estavam alucinadas. O Rei gritou: Viva as
minhas fãs. Eu vivo por vocês. Amo estas pajens.
E
as pajens, firmes, à frente, enquanto o Rei descia. Rápido para
elas; lento, uma eternidade para ele. O Rei, quando pequeno, na aula
de educação física, saltava de cinco metros na lona. O professor
mandava. Demorava muito para cair daquela altura.
Via
os caminhões vermelhos furando lentamente a multidão. Mal se
percebia se estavam andando. Fazia horas que os caminhões vermelhos
dos bombeiros tinham aparecido no fim da rua. Não adiantava mais.
Tiravam fotografias do prédio em frente, lá debaixo, de cada teto,
de todos os edifícios. Lá em cima, tentavam arrombar. Fiz meu
apartamento fortaleza. Minha porta de ferro onde nunca ninguém podia
entrar.
A
hora. Está chegando a hora. As pajens me esperam. Sempre me esperam,
fiéis. Firmes nos auditórios, na compra dos discos, nas caravanas,
nas estreias dos filmes. Com seus uniforminhos, ganhos no quarto de
amor, que a companhia de decoração montou. Especial, cheio de
bossas.
As
faixas. Como tinham demorado a chegar. Mas quando chegaram, vieram
aos montes. As faixas e fotografias e cartazes e as imagens de gesso.
Tudo erguido para o alto.
As
pajens começaram a aplaudir. Som das palmas e dos guizos das
pulseiras Rei. E o Rei vinha voando. Parecia que vinha do céu, tão
bonito ele vinha. Agora, as fotografias flutuavam acima dele, como
uma nuvem prateada para proteger o Rei. Lindo, lindo, tudo que o Rei
faz para nós é lindo, gritavam as pajens. Viva o Rei, o nosso Rei.
Não
era publicidade, não era publicidade. A imprensa gritava.
Claro,
ele não precisava mais de publicidade.
Foi
amor, disse a velha, beijando a estatuetinha branca.
O
Rei descia. Eu sempre quis voar, a vida inteira eu quis voar.
As
mães choravam, alguns homens sorriam, os fotógrafos fotografavam,
os laçadores guardavam os laços, o helicóptero subia, o carro de
bombeiros desistia. Todos ficaram olhando para cima.
Para
ele, a descida durou horas. Para a multidão, foi um raio. Caiu no
meio das pajens. As pajens se atiraram. Beijaram o corpo. E começaram
a arranhar a pulseira, o colar, o relógio, os anéis, o cinto, os
botões da camisa, a botinha, as meias, a camisa rasgada em mil
pedaços, a calça, a cueca.
E
todo mundo quis. E todo mundo avançou. E todo mundo correu. E quando
uns correram, os outros correram atrás, e a multidão inteira
começou a correr. As pajens cantavam.
Viva
nosso Rei.
Agora
está no céu.
Os
anjos estão contentes.
Nosso
Rei canta para eles.
Os
anjos.
Todos
os anjos.
Louvem
ao Rei para sempre.
Amém.
Cantavam,
erguiam as faixas, mostravam os troféus. E corriam.
E
ao correr pisavam o corpo do Rei, estendido na calçada. Do alto,
ainda caíam as fotografias com fundo prateado.
Agora,
estava escurecendo. E todos corriam pela rua, no meio dos prédios
cinzentos, pisavam e repisavam o corpo do Rei. Que foi se
transformando numa pasta. Cada vez mais fina.
Uma
película apenas sobre a calçada. Pisavam sobre a película e ela se
desmanchava. Mais e mais. Até que se dissolveu. Ficou apenas a
mancha escura na calçada. Os sapatos pisavam a mancha, ainda úmida.
E a mancha ia embora, aos poucos nos sapatos, sandálias, tênis, pés
da multidão que corria para um ponto qualquer da cidade. Lá da
frente, muito à frente, vinha o canto das pajens.
O
Rei está com Deus.
Deus
ouve o Rei cantar.
Agora,
a calçada estava limpa, a rua vazia, nas árvores havia fotografias
enroscadas nos galhos. O povo, longe, corria.
Sem
saber para onde.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
Nenhum comentário:
Postar um comentário