Já
eram cinco e meia quando eu disse pra ela “eu vou pular da cama”
mas ela então se enroscou em mim feito uma trepadeira, suas garras
se fechando onde podiam, e ela tinha as garras das mãos e as garras
dos pés, e um visgo grosso e de cheiro forte por todo o corpo, e
como a gente já estava quase se engalfinhando eu disse “me deixe,
trepadeirinha”, sabendo que ela gostava que eu falasse desse jeito,
pois ela em troca me disse fingindo alguma solenidade “eu não vou
te deixar, meu mui grave cypressus erectus”, gabando-se com os
olhos de tirar efeito tão alto no repique (se bem que ela não fosse
lá versada em coisas de botânica, menos ainda na geometria das
coníferas, e o pouco que atrevia sobre plantas só tivesse aprendido
comigo e mais ninguém), e como eu sabia que não há rama nem
tronco, por mais vigor que tenha a árvore, que resista às avançadas
duma reptante, eu só sei que me arranquei dela enquanto era tempo e
fui esquivo e rápido pra janela, subindo imediatamente a persiana, e
recebendo de corpo ainda quente o arzinho frio e úmido que começou
a entrar no quarto, mas mesmo assim me debrucei no parapeito, e,
pensativo, vi que o dia lá fora mal se espreguiçava sob o peso de
uma cerração fechada, e, só esboçadas, também notei que as
zínias do jardim embaixo brotavam com dificuldade dos borrões de
fumaça, e estava assim na janela, de olhos agora voltados pro alto
da colina em frente, no lugar onde o Seminário estava todo confuso
no meio de tanta neblina, quando ela veio por trás e se enroscou de
novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu
pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um
pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que
estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos
poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos diretamente pro
chuveiro.
Raduan
Nassar, in Um copo de cólera
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