Dividimos
a história em eras, com começo e fim bem definidos, e mesmo que a
ordem seja imposta depois dos fatos — a gente vive para a frente
mas compreende para trás, ninguém na época disse “Oba, começou
a Renascença!” — é bom acreditar que os fatos têm coerência,
e sentido, e lições. Mas podemos apreender a lição errada.
A
gente fala nos loucos anos 20, quando várias liberdades novas
começavam a ser experimentadas, e esquece que foi a era que gerou o
fascismo e outras formas liberticidas. O espírito da “era do jazz”
de Scott Fitzgerald foi o espírito totalitário. Prevaleceram não
os passos do charleston, mas os passos de ganso.
A
leitura convencional dos anos 40 é que foram os anos em que os
Estados Unidos salvaram a Europa dela mesma. Na verdade, a Segunda
Guerra salvou os Estados Unidos. Completou o trabalho do New Deal de
Roosevelt e acabou com a crise econômica que sobrara dos anos 30,
fortalecendo a sua indústria ao mesmo tempo que os poupava da
destruição que liquidou com a Europa, e inaugurou o keynesianismo
militar que mantém a sua economia saudável até hoje. O fim da
Segunda Guerra foi o começo da era americana. Os americanos salvaram
o mundo — e ficaram com ele.
Os
plácidos e sem graça anos 50 não foram tão aborrecidos assim.
Foram os anos do “existencialismo”, de revoluções na arte e na
literatura, do nascimento do rock-n’-roll... Já nos fabulosos anos
60, enquanto as drogas, o sexo e a comunhão dos jovens pela paz e
contra tudo o que era velho tomavam conta das praças e das ruas, o
conservadorismo careta se entrincheirava no poder — Nixon nos
Estados Unidos, os generais aqui —, e Margaret Thatcher começava a
sua própria revolução. O que foi que aconteceu mesmo nos anos 60?
Quando
fizerem a leitura do fim dos anos 90 e da era que começa com 00,
qual será a conclusão errada? A de que o mundo está se tornando
mesmo uma aldeia global dominada pela técnica ou que está se
dividindo cada vez mais entre ricos e pobres, entre inteligência
artificial e fundamentalismo, misticismo e outras formas de burrice
manobrável e espoliável? E no Brasil? O que foi que nos aconteceu?
Em
30 anos, quando não adiantar mais nada, saberemos.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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