Alguém,
algum dia, deveria fazer um estudo aprofundado sobre o Amigo do
Herói, aquela figura que, desde Sancho Panza, atravessa as
narrativas do Ocidente em várias formas, mas com certas
características reincidentes. Ele é sempre um suberói, inferior de
algum jeito ao herói. Ou é seu criado (Sancho escudeiro de Dom
Quixote, o negro enorme que fazia o trabalho braçal para o Mandrake
e se chamava como?), ou é seu parceiro porém mais “primitivo”
(Tonto com relação ao Zorro), mais burro ou ingênuo (o Magro,
Jerry Lewis, Bud Abbot — ou o gordinho era o Lou Costelo?), mais
adolescente (Robin, o Centelha companheiro do Tocha Humana) etc. Nos
velhos filmes de caubói sempre havia o gozadão amigo do mocinho. O
que representa a figura? É o sucedâneo do amigo imaginário que
muitos têm na infância, existe apenas como um contraste para
realçar as virtudes do herói ou uma plateia sempre pronta para
adorá-lo, seria o lado humano, falível ou ridículo do herói
transposto para outro, ou ali tem coisa e — segundo a moda de
análises mais recente — todas são claramente relações
homossexuais disfarçadas? A coabitação de Sherlock Holmes e Watson
sobreviveu à era vitoriana e edwardiana sem levantar suspeitas, mas
não resistiu ao psicologismo moderno, o mesmo que questionou o
número de vezes em que o Gordo e o Magro apareciam na mesma cama e
acabou com a inocência no mundo, e dizem que falta pouco para o
Batman e o Robin assumirem. Enfim, respostas com quem se animar a
fazer o estudo aprofundado.
Uma
vez o Walmor Chagas me pediu uma peça para ele e o Italo Rossi, e
inventei uma história em que, por algum artifício teatral que não
lembro mais, duplas famosas se misturavam em cena. Sherlock Holmes
aprendendo a viver com “Centelha” (“Acenda meu cachimbo, sim,
rapaz?”), Watson se esforçando para acompanhar o ritmo de Batman
(“Meu velho, será que não tem um calçãozinho um pouco maior?”),
Sancho Panza se convencendo de que em matéria de patrões estranhos
o Tocha Humana deixava Dom Quixote longe, Robin tentando inutilmente
mobilizar o Gordo para a luta contra o Mal, Tonto perdendo a
paciência com Mandrake (“Cara pálida tira cigarro aceso do ouvido
de Tonto mais uma vez, leva bordoada”), Dom Quixote e Dean Martin
não encontrando assunto... Como as combinações eram improváveis,
a peça também tinha o Marquês de Sade recebendo herr
Sacher-Masoch em casa e sendo um anfitrião perfeito, inclusive
derramando o chá fervendo no seu pulso em vez de na sua xícara.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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