domingo, 29 de março de 2020

San Martín de los Andes

Uma choça abandonada nos indicou a fronteira. Eu já estava livre. Escrevi na parede da cabana: “Até breve, minha pátria. Vou-me embora mas levo-te comigo.”
Em San Martín de los Andes devia nos aguardar um amigo chileno. Essa cidadezinha da cordilheira argentina é tão pequena que me tinham dito como indicação única:
Vai para o melhor hotel que ali Pedrito Ramírez irá te buscar.
Mas assim são as coisas. Em San Martín de los Andes não havia um melhor hotel: havia dois. Qual deles escolher? Decidimo-nos pelo mais caro, situado num bairro mais afastado, preterindo o primeiro que tínhamos visto defronte da bela praça da cidade.
Aconteceu que o hotel que escolhemos era tão de primeira classe que não quiseram nos aceitar. Observaram com hostilidade os efeitos de vários dias de viagem a cavalo, nossos casacos ao ombro, nossas caras com barba por fazer e poeirentas. A qualquer um dava medo de nos receber.
Ainda mais o gerente de um hotel que hospedava nobres ingleses procedentes da Escócia e que tinham vindo para pescar salmão na Argentina. Nós não tínhamos nada de lords. O gerente deu-nos o vade retro, alegando com ademanes e gestos teatrais que o último quarto disponível tinha sido reservado há dez minutos. Nisso assomou à porta um elegante cavalheiro de inconfundível tipo militar, acompanhado por uma loura cinematográfica, que gritou com voz trovejante:
Alto! Não se manda os chilenos embora de nenhuma parte. Eles ficam aqui!
E ficamos. Nosso protetor parecia-se tanto com Perón e sua dama com Evita que pensamos todos: São eles! Mas depois, já de banho tomado e vestidos com roupa limpa, sentados à mesa e degustando uma garrafa de champanha duvidosa, soubemos que o homem era comandante da guarnição local e ela uma atriz de Buenos Aires que vinha visitá-lo.
Passamos por madeireiros chilenos dispostos a fazer bons negócios. O comandante me chamava “o Homem Montanha”. Víctor Bianchi, que até ali me acompanhava por amizade e por amor à aventura, descobriu uma guitarra e com suas pícaras canções chilenas encantava a argentinos e argentinas. Porém passaram-se três dias com suas noites e Pedrito Ramírez não chegava para me buscar. Fiquei apreensivo. Já não nos restava camisa limpa nem dinheiro para comprar novas. Um bom negociante de madeira, dizia Víctor Bianchi, pelo menos deve ter camisas.
Enquanto isso, o comandante nos ofereceu um almoço em seu regimento. Sua amizade conosco fez-se mais estreita e confessou-nos que, apesar de sua semelhança física com Perón, era antiperonista. Passávamos longas horas discutindo quem teria pior presIdente, se o Chile ou a Argentina.
Certa manhã Pedrito Ramírez entrou de improviso em meu quarto.
Desgraçado! – gritei. – Por que demoraste tanto?
Tinha sucedido o inevitável. Ele esperava tranquilamente minha chegada no outro hotel, no da praça.
Dez minutos depois estávamos rodando pelo pampa infinito. E continuamos rodando dia e noite. De vez em quando os argentinos detinham o automóvel para preparar um mate e depois continuávamos atravessando aquela monotonia interminável.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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