quinta-feira, 12 de março de 2020

Professores inesquecíveis

Tive professores inesquecíveis. Alguns são inesquecíveis pela beleza da sua pessoa, por sua inteligência, pelo respeito aos alunos. Esses me fazem sorrir. Outros se tornaram inesquecíveis por sua pequenez e tolice. Esses me fazem rir. É o caso de um professor de geografia que tive no curso científico. Ele tinha um caderninho onde estavam escritas as aulas que tinha ditado por anos. Ele ditava, nós copiávamos – nisso se resumia sua filosofia da educação. De tudo o que ele ditou, uma única coisa ficou gravada na minha memória, de tão ridícula. Falando sobre a importância política dos rios, terminou a aula com essa afirmação que, segundo ele, provava o seu ponto: “E o grito de independência de dom Pedro aconteceu às margens do rio Ipiranga”. É. Se o riachinho Ipiranga não existisse, dom Pedro não teria gritado “Independência ou morte!” e nós ainda seríamos colônia de Portugal. (Mas será que foi isso mesmo que ele gritou? Por vezes, os gritos reais dos heróis são impublicáveis...) Por razões que não conheço, o dito professor resolveu candidatar-se a vereador, no Rio de Janeiro, certamente convencido de que tinha uma grande contribuição política a oferecer à cidade. Ou pode ser que ele mesmo tenha sentido o tédio dos seus ditados. Melhor ser vereador. Ganhar dinheiro sem fazer força, sem ditados, sem corrigir provas. Muitas decisões políticas se fazem por razões não políticas. Ele parava de ditar e falava sobre sua vitória certa. “Tenho sido professor por vinte anos. Por minhas mãos passaram 2500 alunos.” (Inventei esse número. O número real eu esqueci.) Esses alunos se casaram. 2500 se transformam em 5000: maridos e esposas. Esses 5000 têm parentes e amigos... Ao final de suas contas ele seria eleito com mais de 50.000 votos…
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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