Prosternado
à porta da capela, meu dorso curvo, o rosto colado na terra, minha
nuca debaixo de um céu escuro, pela primeira vez eu me senti sozinho
neste mundo; ah! Pedro, meu querido irmão, não importa em que
edifício das idades, em alturas só alcançadas pelas setas de
insetos raros, compondo cruzes em torno dessa torre, existe sempre
marcado no cimo, pelo olho perscrutador de uma coruja paciente, a
noite de concavidades que me espera; neste edifício erguido sobre
colunas atmosféricas escorridas de resinas esquisitas, existe sempre
nas janelas mais altas a suspensão de um gesto fúnebre; e existe a
última janela de abertura debruçada para brumas rarefeitas e
espectros incolores, ali onde instalo meus filamentos e minhas
antenas, meus radares e minhas dores, captando o espaço e o tempo na
sua visão mais calma, mais tranquila, mais inteira; eu nunca duvidei
que existisse, com a mesma curvatura que rola, a mesma gravidade que
cai, a mesma precária arquitetura, um translúcido hálito azul, a
bolha derradeira, presente em cada folha amanhecida, em cada pena
antes do voo, denso e pendente como orvalho; mas em vez de galgar os
degraus daquela torre, eu poderia simplesmente abandonar a casa, e
partir, deixando as terras da fazenda para trás; eram também coisas
do direito divino, coisas santas, os muros e as portas da cidade.
Raduan
Nassar, in Lavoura Arcaica
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