Depois
disto... diante disto... não sei como principie...
Aos
primeiros sorrisos longínquos de minha terra na curva azul de sua
enseada, enquanto o vapor me aproximava rapidamente destas doces
plagas, onde minha mãe me embalou o primeiro e meus filhos me
velarão, talvez, o último sono, vendo pendurar-se do céu e
estremecer para mim o ninho onde cantou Castro Alves, verde ninho
murmuroso de eterna poesia debruçado entre as ondas e os astros,
parecia-me que a saudade, amado fantasma evocado pelo coração, me
estendia os braços de toda a parte, no longo amplexo do horizonte.
Minha vida inteira, o remoto passado fugitivo recompunha-se-me
nalguns instantes, de uma infinita suavidade triste, como a das
grandes afeições tenazes, que lutam contra a volubilidade dos
sucessos, e procuram fixar-se à beira da corrente irresistível da
vida, abraçando-se aos ramos imortais do ideal. Nesse crescer,
porém, de recordações, onde o meu espírito flutuava, anelante, de
vaga em vaga, de pensamento em pensamento, de ressurreição em
ressurreição, mais vivas, mais insistentes, mais obsessivas entre
todas se me debuxavam na memória as impressões da minha última
visita a estes lares. Vai por cinco anos. Era em 1888. Corriam os
últimos dias de abril. Poucos me eram dados, para respirar estes
ares, a cujo oxigênio se formou a minha paixão pela liberdade. Eu
vinha só com a minha fé, a única força que a natureza não me
recusou, a companheira fiel das minhas provações, o viático de meu
caminho acidentado. A atmosfera do império e da escravidão
oprimia-nos, abafadiça, de todos os lados. Os partidos monárquicos
brigavam, enfezados, na sua rixa de lagartos, na raiva preguiçosa de
velhos estélios coriáceos, à luz de uma publicidade indiferente,
ou hostil, como os raios do sol que acariciam o torrão próspero,
mas flagelam a estepe escalvada, no silêncio, no marasmo, na solidão
moral da pátria, calcinada por uma esterilidade maldita.
Quisestes
então ouvir-me, amigos meus, bons conterrâneos, meus irmãos...
irmãos, porque fomos ninados todos no mesmo berço destas encostas
arredondadas e meigas como regaço de fada benfazeja, todos
amamentados aos seios da mesma mãe, a alma Bahia, mãe da
inteligência, da generosidade e do entusiasmo…
Rui
Barbosa, in Antologia
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