Minha
fiel secretária é das que tomam sua função ao pé da letra, e já
se sabe que isso significa passar para o outro lado, invadir
territórios, enfiar os cinco dedos no copo de leite para tirar um
pobre cabelinho.
Minha
fiel secretária se ocupa ou pretenderia ocupar-se de tudo em meu
escritório. Passamos o dia travando uma cordial batalha de
jurisdições, um intercâmbio sorridente de minas e contraminas, de
saídas e retiradas, de prisões e resgates. Mas ela tem tempo para
tudo, não só procura apropriar-se do escritório como cumpre
escrupulosamente suas funções. Por exemplo, as palavras, não há
dia em que não as encere, as escove, as coloque na prateleira exata,
as prepare e enfeite para suas obrigações cotidianas. Se me vem à
boca um adjetivo prescindível porque todos eles nascem fora da
órbita de minha secretária — e de certa maneira de mim mesmo —,
já está ela de lápis na mão agarrando-o e o matando sem lhe dar
tempo de colocar-se ao restante da frase e sobreviver por descuido ou
por hábito. Se eu deixasse, se neste mesmo instante eu deixasse, ela
jogaria estas folhas na cesta, enfurecida. Está tão decidida a que
eu viva uma vida condenada, que qualquer movimento imprevisto a leva
a erguer-se, toda orelhas, toda rabo em pé, tremendo como um arame
ao vento. Tenho que disfarçar, e a pretexto de que estou redigindo
um relatório, encher algumas folhinhas de papel cor-de-rosa ou verde
com as palavras que eu gosto, com as suas brincadeiras, os seus
saltos e as suas brigas raivosas. Enquanto isso, minha fiel
secretária arruma o escritório, aparentemente distraída mas pronta
para dar o bote. Na metade de um verso que nascia tão contente,
pobrezinho, eu a ouço começar seu horrível guincho de censura, e
então meu lápis volta a galope às palavras proibidas, risca-as
correndo, ordena a desordem, fixa, limpa e dá esplendor — e o que
sobra é provavelmente muito bom, mas essa tristeza, esse gosto de
traição na língua, essa cara de chefe com sua secretária.
Julio
Cortázar,
in Histórias de
Cronópios e de Famas
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