segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Os pousa-tigres

Muito antes de levar à prática nossa ideia, sabíamos que o pouso dos tigres nos colocava diante de um duplo problema, sentimental e moral. O primeiro não se referia tanto ao pouso como ao próprio tigre, na medida em que esses felinos não gostam que a gente os hospede, e recorrem a todas as suas energias, que são enormes, para resistir. Caberia nessas circunstâncias enfrentar o temperamento desses animais? Mas a pergunta nos transferiria ao plano moral, onde toda ação pode ser causa ou efeito de esplendor ou de infâmia. A noite, em nossa casinha da rua Humboldt, meditávamos diante das terrinas de arroz-doce, esquecidos de polvilhá-las com canela e açúcar. Não estávamos verdadeiramente certos de poder pousar um tigre, e o lamentávamos.
Decidiu-se afinal que pousaríamos um, com o único objetivo de ver funcionar o mecanismo em toda a sua complexidade, e que mais tarde avaliaríamos os resultados. Não falarei aqui da obtenção do primeiro tigre; foi um trabalho sutil e penoso, um corre-corre por consulados e drogarias, uma complicada trama de passagens, cartas aéreas e trabalho de dicionário. Certa noite, meus primos chegaram cobertos de tintura de iodo: era o sucesso. Bebemos tanto vinho que minha irmã mais moça acabou tirando a mesa com o ancinho. Nessa época éramos mais jovens.
Agora que a experiência deu os resultados conhecidos, posso facilitar detalhes do pouso. Talvez o mais difícil seja o que se refere ao ambiente, pois se requer um aposento com o mínimo de móveis, coisa difícil na rua Humboldt. Coloca-se o dispositivo no centro: duas tábuas atravessadas, um jogo de varetas elásticas e alguns potes com leite e água. Pousar o tigre não é muito difícil, embora a operação possa fracassar e seja necessário repeti-la; a verdadeira dificuldade começa no momento em que, já pousado, o tigre recupera a liberdade e opta — de diversas maneiras possíveis — por exercê-la. Nessa etapa, que chamarei intermediária, as reações de minha família são fundamentais; tudo depende de como se comportem minhas irmãs, da habilidade com que meu pai torne a pousar o tigre, tirando dele o máximo partido, tal como o oleiro com seu barro. A menor falha levaria à catástrofe, os fusíveis queimados, o leite derramado no chão, o horror de uns olhos fosforescentes riscando as trevas, os jatos mornos a cada patada; recuso-me sequer a imaginá-lo, visto que até agora temos pousado o tigre sem consequências perigosas. Tanto o dispositivo como as diferentes funções que todos devemos desempenhar, do tigre até meus primos segundos, parecem eficazes e se articulam harmoniosamente. Para nós o fato em si de pousar o tigre não é importante, e sim que a cerimônia se realize até o fim, sem erros. É necessário que o tigre concorde em ser pousado, ou que o seja de forma tal que seu assentimento ou sua repulsa careçam de importância. Nos instantes que somos tentados a chamar cruciais — talvez pelas duas tábuas, talvez por um simples lugar-comum —, a família sente-se possuída de uma exaltação extraordinária; minha mãe não consegue disfarçar as lágrimas, e minhas primas irmãs trançam e destrançam convulsivamente os dedos. Pousar o tigre tem algo de encontro total, de alienação perante um absoluto; o equilíbrio depende de tão pouco e pagamos um preço tão alto, que os breves instantes que se sucedem ao pousar e que decidem sua perfeição nos arrebatam de nós mesmos, arrasam com a tigridade e com a humanidade num só movimento imóvel que é vertigem, pausa e chegada. Não há tigre, não há família, não há pouso. É impossível saber o que há: um tremor que não é desta carne, um tempo central, uma coluna de contato. E depois saímos todos para o pátio coberto, e nossas tias trazem a sopa como se algo cantasse, como se fôssemos a um batizado.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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