sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Esboço de um sonho

Vem-lhe de repente um grande desejo de ver seu tio e se apressa por ruelas retorcidas e empinadas, que parecem se esforçar por afastá-lo da velha mansão. Depois de muito andar (mas é como se tivesse os sapatos grudados no chão) vê o pórtico e escuta vagamente o latido de um cachorro, se aquilo for um cachorro. No momento de subir os quatro degraus já gastos e quando estende a mão em direção à aldrava, que é uma outra mão que aperta uma esfera de bronze, os dedos da aldrava se mexem, primeiro o mínimo e pouco a pouco os outros, que vão soltando interminavelmente a bola de bronze. A bola cai como se fosse feita de penas, ricocheteia sem ruído no umbral e pula à altura de seu peito, mas agora é uma aranha preta e gorda. Ele a repele com uma pancada frenética e nesse instante a porta se abre: o tio está de pé, sorrindo sem expressão, como se há tempos estivesse esperando atrás da porta fechada. Trocam algumas frases que parecem preparadas, um xadrez elástico. “Agora eu tenho que responder...” “Agora ele vai dizer...” E tudo acontece exatamente assim. Eles já estão num aposento brilhantemente iluminado, o tio puxa cigarros enrolados em papel prateado e lhe oferece um. Procura os fósforos durante muito tempo, mas na casa toda não há fósforos nem fogo de espécie alguma; não podem acender os cigarros, o tio parece aflito para que a visita acabe, e por fim há uma confusa despedida num corredor cheio de caixotes abertos pela metade e onde mal sobra lugar para uma pessoa se mexer.
Ao sair da casa, sabe que não deve olhar para trás, porque... Só sabe isso, mas sabe, e se retira rapidamente, com os olhos fixos no fundo da rua. Pouco a pouco começa a sentir-se mais aliviado. Quando chega em casa está tão exausto que deita logo, quase sem se despir. Então sonha que está no Tigre e que passa o dia todo remando, com sua noiva, e comendo salsichas no parque Nuevo Toro.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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