Cortaram
a cabeça de um certo senhor, mas como depois estourou uma greve e
não puderam enterrá-lo, esse senhor teve que continuar vivendo sem
cabeça e arranjar-se bem ou mal.
Em
seguida ele notou que quatro dos cinco sentidos tinham ido embora com
a cabeça. Dotado somente de tato, mas cheio de boa vontade,
sentou-se num banco da Praça Lavalle e tocava uma por uma as folhas
das árvores, tratando de distingui-las e dar os respectivos nomes.
Assim, depois de vários dias, pôde ter a certeza de que havia
juntado em seus joelhos uma folha de eucalipto, uma de plátano, uma
de magnólia e uma pedrinha verde.
Quando
o senhor percebeu que esta última era uma pedra verde, passou uns
dias na maior perplexidade. Pedra era correto e possível, mas não
verde. Para experimentar, imaginou que a pedra era vermelha, e no
mesmo momento sentiu uma profunda repulsa, uma resistência a essa
mentira flagrante de uma pedra vermelha absolutamente falsa, já que
a pedra era completamente verde e em forma de disco, muito suave ao
tato.
Quando
percebeu que além do mais a pedra era suave, o senhor passou algum
tempo tomado de grande surpresa. Depois optou pela alegria, o que
sempre é preferível, pois se notava que à semelhança de
determinados insetos que regeneram suas partes cortadas, era capaz de
sentir diversamente. Estimulado pelo fato, abandonou o banco da praça
e desceu a rua Libertad até a avenida de Mayo, onde como se sabe
proliferam as frituras oriundas dos restaurantes espanhóis.
Informado deste detalhe que lhe restituía um novo sentido, o senhor
se encaminhou vagamente em direção ao leste ou ao oeste, pois disso
não estava certo, e foi infatigável, esperando, de um momento a
outro, ouvir alguma coisa, já que o ouvido era a única coisa que
lhe faltava. De fato enxergava um céu pálido como o do amanhecer,
tocava suas próprias mãos com dedos úmidos e unhas que lhe
penetravam na pele, sentia o cheiro de seu suor, e um gosto de metal
e de conhaque na boca. Só lhe faltava ouvir e justamente então
ouviu, e foi como uma lembrança, porque o que ouvia era de novo as
palavras do capelão do cárcere, palavras de conforto e de
esperança, muito bonitas em si, pena que com certo ar de usadas, de
ditas muitas vezes, de gastas à força de soar e ressoar.
Júlio
Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas
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