domingo, 19 de janeiro de 2020

Uni-versos

Naître, vivre et mourir dans la même maison” — este belo verso, tão obviamente doloroso para alguns, não é de Baudelaire, como me parecia quando uma vez precisei citá-lo. Desconfio agora que é de Sainte-Beuve. Alguns dos meus leitores velhos talvez pudessem esclarecer-me. Isto porque os novos não leem francês. É que eles, em consequência da última Guerra Mundial, abandonaram a luz mediterrânea, não pelo fog londrino, mas pelos tremeluzentes letreiros de Los Angeles. Ora, aquela simples linha de doze sílabas métricas bastaria para conservar o nome de um poeta, como creio que, de Mallarmé, os saturados leitores do século XXIII haverão de guardar ao menos este verso: “La chair est triste — hélas! — et j’ai lu tous les livres.” Pois, a continuarmos na pressa em que vamos, os antologistas do futuro recolheriam de cada poeta apenas algumas palavras. Que mais queres? A bom leitor, uma linha basta.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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