A
formiga entrou no cinema porque achou a porta aberta e ninguém lhe
pediu bilhete de entrada. Até aí, nada de mais, porque não é
costume exigir bilhete de entrada a formigas. Elas gozam de certos
privilégios, sem abusar deles.
O
filme estava no meio. A formiga pensou em solicitar ao gerente que
fosse interrompida a projeção para recomeçar do princípio, já
que ela não estava entendendo nada; o filme era triste, e os
anúncios falavam de comédia. Desistiu da ideia; talvez o cômico
estivesse nisso mesmo.
A
jovem sentada à sua esquerda fazia ruído ao comer pipoca, mas era
uma boa alma e ofereceu pipoca à formiga. — Obrigada — respondeu
ela —, estou de luto recente. — Compreendo — disse a moça —,
ultimamente há muitas razões para não comer pipoca.
A
formiga não estava disposta a conversar, e mudou de poltrona. Antes
não o fizesse. Ficou ao lado de um senhor que coleciona formigas, e
que sentiu, pelo cheiro, a raridade de sua espécie. Você será a
7001 a da minha coleção, disse ele, esfregando as mãos de
contente. E abrindo uma caixinha de rapé, colocou dentro a formiga,
fechou a caixinha e saiu do cinema.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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