Mas,
antes de nos deixarmos, vinde comigo depor estas homenagens, estes
troféus, estes símbolos no altar que os deve receber.
Espírito
supremo daquele que me ensinou a sentir o direito, e querer a
liberdade; daquele cuja presença íntima respira em mim nas horas do
dever e do perigo; daquele a quem pertence, nas minhas ações, o
merecimento da coerência e da sinceridade; emanação da honra, da
veracidade e da justiça, espírito severo de meu pai; imagem da
bondade e da pureza, que verteste em minha alma a felicidade do
sofrer e do perdoar, que me educaste no espetáculo divino do
sacrifício coroado pelo sacrifício, carícia do céu na manhã dos
meus dias, aceno do céu no horizonte da minha tarde, anjo da
abnegação e da esperança, que me sorris no sorriso de meus filhos,
espírito sideral de minha mãe se o bem desabotoa alguma vez à
superfície agreste de minha vida, vós sois a mão do semeador, que
o semeou, vós, cuja energia me criou o coração e a consciência,
cuja benção derramou a fecundidade sobre as urzes de minha
natureza. Quando, na minha existência, alguma coisa possa inspirar
gratidão, ou simpatia, não me tomem senão como o fruto em que se
mitiga a sede, e que se esquece. Vós, autores benignos do meu ser,
vós sois a árvore dadivosa cujos benefícios sobrevivem no
reconhecimento, que não murcha. Estas flores, magia de um jardim
instantâneo, onda esparsa de uma alvorada balsâmica, estas flores
em que se desentranha, ao contacto da Bahia, o berço, que me
afofastes com a vossa ternura, que me guardastes com as vossas
vigílias, que me perfumastes com as vossas virtudes, estas flores
são vossas: recebeia-as. Que elas envolvam no seu aroma a vossa
memória, reabram, em cada geração de vossos netos, aos pés da
vossa cruz, e deixem cair o refrigério de seu orvalho sobre as
paixões corrosivas, que ulceram a pátria, amofinando-lhe o
presente, ameaçando-lhe o futuro.
Rui
Barbosa, in Antologia
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