O
Rui Carlos Ostermann e a Nilse, eu e a Lúcia quase o descobrimos.
Tinha uma porta pesada de pub inglês, lá dentro o chão
atapetado, as paredes forradas de madeira, iluminação discreta mas
não safada, uma escada que levava a um segundo andar com cinco ou
seis mesas rodeadas de cadeiras de couro preto, o difícil foi manter
a conversa num nível que não destoasse da empáfia do garçom. No
fim caímos na risada, de puro prazer. Turista brasileiro não tem
jeito.
Eu
disse “quase” o encontramos porque o bar — não lembro o nome —
fica na calle M.T. de Alvear, perto do Plaza, em Buenos Aires,
e o Bar Perfeito teria que estar, que remédio, em Porto Alegre. É
um velho sonho. Uma noite dessas ficamos o Armando Coelho Borges, o
José Onofre, o Rui e eu lamentando a falta do Bar Perfeito em nossas
vidas. Começamos enumerando todos os requisitos do Bar Perfeito e
terminamos, cinco doses de uísque mais tarde, na mais inconsolável
fossa. O Bar Perfeito não só não existe como não pode existir, é
a nostalgia do que nunca houve. O diabo é que Porto Alegre não tem
nem um bar quase-perfeito onde se maldizer a falta do Bar Perfeito. É
um deserto de fórmica e azulejos.
Tem
o Bar City’s, certo. O bar do Plaza, certo. Mas em ambos falta
aquele indefinível... o quê? Não sei, é indefinível — que
distingue um bom bar perfeito. As pessoas tratam de negócios no Bar
City’s e no bar do Plaza, negócios razoáveis, viáveis, e o Bar
Perfeito deve ser o último refúgio do ócio inteligente. Só se
deve tratar de negócios impossíveis no Bar Perfeito. Nenhuma
transação pode sobreviver fora das paredes do Bar Perfeito. Você
deve avisar ao barman que só atenderá ao telefone se for uma
mulher com pronúncia eslava querendo falar sobre um contrabando de
joias. E se um dia telefonar uma eslava para tratar de joias, você
faz sinal que não está e depois sorri, melancolicamente, para o seu
Old Fashioned.
O
barman do Bar Perfeito deve ser, antes de tudo, um mentiroso.
Ele atendia o bar do Ritz de Paris quando Scott Fitzgerald o
frequentava, foi ele que dissuadiu o escritor de subir no monumento
da Place Concorde e fazer xixi no povo. O barman do Bar
Perfeito guardaria recados, seria uma central de banalidades. O Dr.
Werner deixou dito que passa aqui às sete e se tem algum recado.
Diga ao Dr. Werner que eu estive aqui e tomei um uísque e que fora
isso não há nenhum recado.
O
Dr. Rui perguntou se interessa um emprego no Times, doze mil
dólares por mês para não fazer nada. Diga ao Dr. Rui que não
interessa, mas que a Unesco mandou oferecer uma bolsa para ele, sete
anos em Paris para pensar na vida, e que ele não esqueça o jantar
no Armando hoje. Outra coisa, se me telefonarem da Embaixada Russa,
pergunta se interessa um microfilme do plano das instalações
hidráulicas do Edifício Sulacap, foi só o que eu consegui. (Tudo
deve ser simulado dentro do Bar Perfeito. Menos o scotch.)
Haveria
um pianista bêbado no Bar Perfeito? Um item a discutir. Play it
again, Sam, ele toca e todo mundo chora. Ninguém pagaria suas
contas no Bar Perfeito. Proibiríamos a entrada de todo mundo no Bar
Perfeito, menos uns 17 eleitos. Uma vez por mês seria admitido um
chato e ritualmente envenenado.
O
Bar Perfeito certamente iria à falência em menos de um ano. Mas aí
pelo menos teríamos uma memória a lamentar, o que é melhor do que
nada.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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