sábado, 18 de janeiro de 2020

Correios e telecomunicações

Uma vez que um parente nosso muito afastado chegou a ser ministro, conseguimos que ele nomeasse boa parte da família para a sucursal do Correio da rua Serrano. Mas durou pouco. Dos três dias que estivemos lá, passamos dois atendendo o público com uma rapidez extraordinária, que provocou a surpreendida visita de um inspetor do Correio Central e um tópico elogioso em La Razón. No terceiro dia estávamos certos de nossa popularidade, pois as pessoas já vinham de outros bairros para despachar a correspondência e mandar vales postais a Purmamarca e outros lugares igualmente absurdos. Então meu tio mais velho deu sinal verde e a família começou a atender o público de acordo com seus princípios e preferências. No guichê de franquia postal, minha segunda irmã dava de presente uma bola colorida a cada comprador de selos. A primeira a receber a sua bola foi uma senhora gorda que ficou como que paralisada, com a bola na mão e o selo de um peso já umedecido que se enroscava aos poucos em seu dedo. Um jovem cabeludo recusou-se a receber sua bola, e minha irmã o repreendeu severamente, enquanto na fila do guichê começavam a levantar-se opiniões desencontradas. Ao lado, vários provincianos empenhados em remeter insensatamente parte de seus salários para parentes remotos, recebiam com certo assombro copinhos de bagaceira e de quando em quando pastel de carne, tudo isso por conta de meu pai, que além do mais recitava aos gritos os melhores conselhos do viejo Vizcacha.[1]
Entretanto meus irmãos, encarregados do guichê de encomendas, as besuntavam com piche e as enfiavam num balde cheio de penas.
Depois as apresentavam ao assombrado remetente e lhe faziam notar com quanta alegria seriam recebidos os embrulhos assim melhorados. “Sem barbante à vista”, diziam. “Sem o lacre tão vulgar, e o nome do destinatário que parece enfiado debaixo da asa de um cisne, repare só.” Para ser franco, nem todos se mostravam encantados.
Quando os curiosos e a polícia invadiram o local, minha mãe encerrou o ato da maneira mais linda, fazendo voar sobre o público uma multidão de flechinhas coloridas, fabricadas com os formulários dos telegramas, vales postais e cartas registradas. Cantamos o hino nacional e retiramo-nos na mais perfeita ordem; vi chorar uma menina que era a terceira colocada na fila da venda de selos e sabia que tinha perdido a vez de ganhar uma bola.
[1] “El viejo Vizcacha”, personagem do livro Martin Fierro, do poeta argentino José Hernández (La vuelta de Martin Fierro, Cap. XV. (N. da T.)
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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