Uma
vez que um parente nosso muito afastado chegou a ser ministro,
conseguimos que ele nomeasse boa parte da família para a sucursal do
Correio da rua Serrano. Mas durou pouco. Dos três dias que estivemos
lá, passamos dois atendendo o público com uma rapidez
extraordinária, que provocou a surpreendida visita de um inspetor do
Correio Central e um tópico elogioso em La Razón. No terceiro dia
estávamos certos de nossa popularidade, pois as pessoas já vinham
de outros bairros para despachar a correspondência e mandar vales
postais a Purmamarca e outros lugares igualmente absurdos. Então meu
tio mais velho deu sinal verde e a família começou a atender o
público de acordo com seus princípios e preferências. No guichê
de franquia postal, minha segunda irmã dava de presente uma bola
colorida a cada comprador de selos. A primeira a receber a sua bola
foi uma senhora gorda que ficou como que paralisada, com a bola na
mão e o selo de um peso já umedecido que se enroscava aos poucos em
seu dedo. Um jovem cabeludo recusou-se a receber sua bola, e minha
irmã o repreendeu severamente, enquanto na fila do guichê começavam
a levantar-se opiniões desencontradas. Ao lado, vários provincianos
empenhados em remeter insensatamente parte de seus salários para
parentes remotos, recebiam com certo assombro copinhos de bagaceira e
de quando em quando pastel de carne, tudo isso por conta de meu pai,
que além do mais recitava aos gritos os melhores conselhos do viejo
Vizcacha.[1]
Entretanto
meus irmãos, encarregados do guichê de encomendas, as besuntavam
com piche e as enfiavam num balde cheio de penas.
Depois
as apresentavam ao assombrado remetente e lhe faziam notar com quanta
alegria seriam recebidos os embrulhos assim melhorados. “Sem
barbante à vista”, diziam. “Sem o lacre tão vulgar, e o nome do
destinatário que parece enfiado debaixo da asa de um cisne, repare
só.” Para ser franco, nem todos se mostravam encantados.
Quando
os curiosos e a polícia invadiram o local, minha mãe encerrou o ato
da maneira mais linda, fazendo voar sobre o público uma multidão de
flechinhas coloridas, fabricadas com os formulários dos telegramas,
vales postais e cartas registradas. Cantamos o hino nacional e
retiramo-nos na mais perfeita ordem; vi chorar uma menina que era a
terceira colocada na fila da venda de selos e sabia que tinha perdido
a vez de ganhar uma bola.
[1]
“El viejo Vizcacha”, personagem do livro Martin Fierro, do poeta
argentino José Hernández (La vuelta de Martin Fierro, Cap. XV. (N.
da T.)
Júlio
Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas
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