Se
você tivesse subido a bordo do Pequod num certo momento
daquela autópsia da baleia; e tivesse passeado perto do molinete,
estou certo de que teria examinado com muita curiosidade um objeto
enigmático muito esquisito, que teria visto ali, jogado de comprido
sobre os embornais de sotavento. Nem a cisterna maravilhosa da imensa
cabeça da baleia, nem o prodígio da sua mandíbula inferior
desconjuntada, nem o milagre da sua cauda simétrica, nada o
surpreenderia tanto como a visão daquele cone inexplicável – mais
comprido do que um nativo de Kentucky, com quase um pé de diâmetro
na base e negro retinto como Yojo, o ídolo de ébano de Queequeg. É
um ídolo, de fato; ou melhor, a sua imagem foi outrora. Um ídolo
como o que foi encontrado nos bosques secretos da rainha Maaca, na
Judéia, que, por tê-lo adorado, foi deposta pelo rei Asa, seu
filho, que destruiu o ídolo, queimando-o como uma abominação no
rio Cedron, como está tristemente exposto no décimo quinto capítulo
do primeiro Livro de Reis.
Veja
o marinheiro, chamado picador, que vem agora, ajudado por dois
companheiros, e traz nas costas o grandissimus, como dizem os
marinheiros, e, com os ombros curvados, cambaleia como se fosse um
granadeiro trazendo do campo um colega morto. Estendendo-o no convés
do castelo de proa, começa a remover em cilindros a pele escura,
como um caçador Africano esfola uma jibóia. Isso feito, vira-lhe a
pele do avesso, como a perna de uma calça, dá-lhe uma esticada, até
quase lhe dobrar o diâmetro, e, por fim, pendura-a, bem espalhada,
no cordame para secar. Pouco depois, a pele é levada para baixo;
então, tirando-lhe cerca de três pés perto da extremidade
pontiaguda e cortando duas aberturas, como cavas de mangas na outra
extremidade, enfia o corpo dentro dela, de comprido. O picador
apresenta-se agora diante de você vestido com os trajes canônicos
da sua vocação. Imemorial como todas as ordens, essa investidura é
uma proteção adequada, quando usada nas funções características
do seu ofício.
Esse
serviço consiste em picar os imensos pedaços de gordura para os
caldeirões, uma operação que é feita com um estranho cavalo de
pau, colocado perpendicularmente contra a amurada, e com uma tina de
madeira espaçosa embaixo, onde caem os pedaços picados, tão
rápidos quanto as folhas do atril de um orador arrebatado. Vestido
de preto honroso, encontrando-se num púlpito notável, absorto em
folhas de bíblia, que candidato para um arcebispado, que papa seria
esse picador!{a}
{a}
Folhas de bíblia! Folhas de bíblia! Era o grito imutável dos
oficiais ao picador. É uma ordem para que seja cuidadoso e corte
fatias tão finas quanto puder, pois com isso acelera a tarefa de
ferver o óleo, assim como aumenta bastante a quantidade, além de
talvez aperfeiçoar a qualidade. [ N. A .]
Herman
Melville, in Moby Dick
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