sábado, 23 de novembro de 2019

Frutos


A bondade da mangueira
não é o fruto.

É a sombra.
A térrea,
quotidiana,
abnegada sombra:
no inverso do suor colhida,
no avesso da mão guardada.

Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

Assim, o amor e a paixão:
um, fruto; outro, sombra.

A suave e cruel mordedura
do fruto em tua boca:
mais do que entrar em ti
eu quero ser tu.

O que em mim espanta:
não a obra do tempo
mas a viagem do Sol na seiva da árvore.

A arte da mangueira
é a veste de sombra
embrulhando o seu ventre solar.
Para o homem
vale a polpa.

Para a terra
só a semente conta.
Mia Couto

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