Bendita
seja, Senhor, a mão, que tantas graças em mim tem derramado. Vós
me destes progenitores imaculados, que buscaram ensinar-me a não
errar os vossos caminhos. Liberalizastes-me cinquenta anos de
atividade ao serviço do meu país. Mais de quarenta me permitistes
de união com uma companheira, que tem sido a vida de minha vida, a
alma de minha alma, a flor sempre viva da vossa bondade no meu lar.
Já me deixastes ver a segunda geração de uma descendência que me
não deslustra. Ao cabo de tantas dádivas, me vejo agora cercado,
tão assinaladamente pela benquerença dos meus concidadãos. E,
sobre essa profusão de benefícios, ainda me cabe a dita, sem preço,
de ver, no esboçar-se da vitória dos povos contra os déspotas, na
confissão do valor dos pequenos pelos grandes Estados, na próxima
União das Nações, o amanhecer desses ideais de legalidade e
direito, de tolerância e democracia, de paz e fraternidade, que os
vossos Evangelhos nos entremostram há mais de 1.900 anos. É muito,
Senhor, para quem tão pouco merece, e, por mais dura que me tenha
sido a carga do trabalho, por mais que me haja custado o amargor dos
trabalhos, nada me resta, nada se apura do meu escasso crédito,
comparado à dívida infinita, de que a vossa misericórdia me
acabrunha.
Mas,
Senhor, se a quem nada tem com que pagar, ainda será lícita a
ousadia de pedir (e tal é, para convosco, a condição de todas as
criaturas), dai que hoje, daqui, do alto desta solenidade, cujo
esplendor só a vós pode ser tributado, juntemos todos as nossas
orações às que há quatro anos se elevam aos vossos pés, de todos
os cantos do planeta, num oceano de lágrimas, soluços e vidas, pela
regeneração da vossa obra inenarrável, desnaturada hoje totalmente
com a renascença do antigo paganismo na política anticristã, que
baniu a moral, o direito e a verdade, substituídas pelo interesse,
pela servidão e pela mentira.
Da
vitória do bem não duvidei jamais, porque nunca me vacilou a crença
na vossa justiça.
Rui
Barbosa, in Antologia
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