Árvores
há, de boa semente, boa terra e bons ares, que se criaram, para
encantar os olhos com a formosura de sua grandeza, e proteger as
criaturas com o benefício do seu abrigo. Um chão de bênção lhes
recebeu as raízes. Medraram, enrijando contra as intempéries e os
ventos. Filhas de um solo generoso, o tronco lhes cresceu, avultou e
subiu, engrossando com os anos, que se lhe enrugam na corcha
vigorosa. Da profunda cortiça, atrás da qual lhes circula a
exuberância da seiva, bracejam os ramos, carregados de flores,
frutos e sombra. As tormentas não as assustam: não lhes atravessam
a basta frondescência os aguaceiros da invernia. Dir-se-ia que o
tempo repoisa debaixo da sua copa, e a sua majestade se estende por
sobre a natureza que as cerca.
Outras,
pelo contrário, como se trouxessem maldição desde a semente, vêm
à luz mesquinhas e amofinadas, logo ao assomar do primeiro rebento à
flor da terra esmarrida. O caule, magro e torturado, se lhes esgalga,
definhando. As vergônteas enfezadas se aguentam a custo, parecendo
rever tristezas e cansaço. Desflorida, estéril, calva de folhagem,
a ramaria agita contra a luz o espetro da sua nudez, que os musgos,
os fetos, as parasitas, as lianas mal envolvem nos restos de um
sudário esgarçado e roto. Os dias a vão mirrando, em vez de a
reviçarem; do lenho esgrouviado e seco se lhe extingue a vida; as
últimas sementes da sua inanição lhe juncam por baixo o raizame
descoberto, enquanto, pelos galhos, que estalam de aridez, raro se
avista ainda um ou outro pomo a cair de carcomido e peco.
Rui
Barbosa, in Antologia
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