domingo, 6 de outubro de 2019

A boa e a má árvore

Árvores há, de boa semente, boa terra e bons ares, que se criaram, para encantar os olhos com a formosura de sua grandeza, e proteger as criaturas com o benefício do seu abrigo. Um chão de bênção lhes recebeu as raízes. Medraram, enrijando contra as intempéries e os ventos. Filhas de um solo generoso, o tronco lhes cresceu, avultou e subiu, engrossando com os anos, que se lhe enrugam na corcha vigorosa. Da profunda cortiça, atrás da qual lhes circula a exuberância da seiva, bracejam os ramos, carregados de flores, frutos e sombra. As tormentas não as assustam: não lhes atravessam a basta frondescência os aguaceiros da invernia. Dir-se-ia que o tempo repoisa debaixo da sua copa, e a sua majestade se estende por sobre a natureza que as cerca.
Outras, pelo contrário, como se trouxessem maldição desde a semente, vêm à luz mesquinhas e amofinadas, logo ao assomar do primeiro rebento à flor da terra esmarrida. O caule, magro e torturado, se lhes esgalga, definhando. As vergônteas enfezadas se aguentam a custo, parecendo rever tristezas e cansaço. Desflorida, estéril, calva de folhagem, a ramaria agita contra a luz o espetro da sua nudez, que os musgos, os fetos, as parasitas, as lianas mal envolvem nos restos de um sudário esgarçado e roto. Os dias a vão mirrando, em vez de a reviçarem; do lenho esgrouviado e seco se lhe extingue a vida; as últimas sementes da sua inanição lhe juncam por baixo o raizame descoberto, enquanto, pelos galhos, que estalam de aridez, raro se avista ainda um ou outro pomo a cair de carcomido e peco.
Rui Barbosa, in Antologia

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