terça-feira, 1 de outubro de 2019

A arte da duplicação

A arte de ser psicólogo não se aprende - vive-se e experimenta-se, pois não se pode encontrar nenhuma teoria que forneça a chave dos mistérios psíquicos. Ninguém é um bom psicólogo se não for ele mesmo um objeto de estudo, se sua substância psíquica não oferecer constantemente um espetáculo inédito e complexo próprio a suscitar a curiosidade. Não pode penetrar o mistério do outro aquele que está desprovido do próprio. Para ser psicólogo, deve-se conhecer suficientemente a tristeza para compreender a alegria e ter refinamento o bastante para poder se tornar um bárbaro; precisa-se de um desespero profundo o bastante para que não mais se distinga a vida no deserto da vida nas chamas. Proteiforme, tão centrípeto quanto centrífugo, o êxtase deverá ser estético, sexual, religioso e perverso.
O senso psicológico é a expressão de uma vida que se contempla a cada instante e que, nas outras vidas, vê espelhos; enquanto psicólogo, enxerga-se os outros homens como fragmentos do seu próprio ser. O desprezo que todo psicólogo sente pelo outro envolve uma auto-ironia tão secreta quanto ilimitada. Ninguém faz psicologia por amor: mas antes por uma vontade sádica de exibir a nulidade do outro, tomando consciência do seu fundo íntimo, desprovendo-lhe da sua aura de mistério. Este processo exaurindo rapidamente os conteúdos limitados dos indivíduos, o psicólogo cansar-se-á brevemente dos homens: falta-lhe inocência demais para que tenha amigos e inconsciência para ter amantes. Nenhum psicólogo começa pelo ceticismo, mas todos chegam a ele. Este fim constitui o castigo da natureza ao profanador de mistérios, ao supremo indiscreto que, tendo fundado ainda poucas ilusões sobre o conhecimento, conhecerá a desilusão.
O conhecimento em pequenas doses encanta; em grandes doses, decepciona. Quanto mais se sabe, menos se quer saber. Pois aquele que não sofreu do conhecimento não terá conhecido nada.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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