domingo, 29 de setembro de 2019

O parecer

No dia seguinte, a Sra. Marie me contou que o Sr. Zaturecky a ameaçara, vociferara e tinha ido reclamar; a infeliz criatura estava com a voz trêmula, à beira das lágrimas; dessa vez fiquei colérico. Compreendia muito bem que a Sra. Marie, que até agora vinha se distraindo com esse jogo de esconde-esconde (mais por simpatia por mim do que por franca alegria), agora se sentisse ofendida e visse em mim, naturalmente, a causa dos seus aborrecimentos. E se eu acrescentasse a esses agravos o fato de a Sra. Marie ter revelado o endereço de minha mansarda, de minha porta ter sido tamborilada durante dez minutos e de haverem assustado Klara, minha cólera se transformaria em fúria.
E lá estava eu a dar grandes passadas no escritório da Sra. Marie, mordendo os lábios, fervendo, imaginando uma vingança, e eis que a porta se abre e aparece o Sr. Zaturecky.
Assim que me viu, seu rosto se iluminou de felicidade. Inclinou-se e me deu bom-dia.
Chegara muito cedo, sem me dar tempo de pensar em minha vingança.
Perguntou se me haviam entregue seu recado da véspera.
Não respondi nada.
Ele repetiu a pergunta.
Sim — respondi finalmente.
E o senhor vai escrever o parecer?
Eu o via diante de mim: mesquinho, teimoso, ameaçador; via o sulco vertical que desenhava em sua testa o traço de sua única paixão; via esse traço retilíneo e compreendi que era uma linha reta determinada por dois pontos: meu parecer crítico e seu artigo; e que, exceto o vício dessa linha maníaca, nada existia em sua vida a não ser uma ascese digna de um santo. E não resisti a uma malevolência salutar.
Espero que o senhor compreenda que não tenho mais nada a lhe dizer depois do que se passou ontem — disse eu.
Não estou compreendendo.
Não tente disfarçar. Ela me contou tudo. É inútil negar.
Não estou compreendendo — tornou a repetir o homenzinho, mas, desta vez, em tom mais enérgico.
Assumi um tom jovial e quase afetuoso:
Escute, Sr. Zaturecky, não lhe quero fazer censuras. Eu também sou mulherengo, e o compreendo. Eu também, em seu lugar, faria de bom grado propostas a uma mulher bonita, se me encontrasse sozinho com ela num apartamento e ela estivesse nua por baixo de uma capa.
O homenzinho ficou lívido.
É um insulto!
Não, é a verdade, Sr. Zaturecky.
Foi aquela moça que contou isso?
Para mim ela não tem segredos.
Camarada assistente, isso é um insulto, sou um homem casado, tenho mulher, tenho filhos! — O homenzinho deu um passo à frente, obrigando-me a recuar.
É uma circunstância agravante, Sr. Zaturecky.
O que o senhor quer dizer?
Quero dizer que o fato de ser casado é uma circunstância agravante para um mulherengo.
O senhor vai retirar essas palavras! — disse o Sr. Zaturecky em tom ameaçador.
Está certo! — disse eu, conciliador. — O casamento não é necessariamente uma circunstância agravante para um mulherengo. Mas pouco importa. Já disse que não fiquei com raiva e que compreendo perfeitamente o que se passou. Mas existe mesmo assim uma coisa que está acima da minha compreensão: é que o senhor possa exigir que um homem escreva um parecer sobre seu artigo, depois de ter feito propostas à sua namorada.
Camarada assistente! É o Sr. Kalusek, doutor em letras, redator-chefe da revista O Pensamento Plástico, periódico publicado sob os auspícios da Academia de Ciências, que exige esse parecer: e o senhor deve escrevê-lo!
Escolha! O parecer ou minha namorada? O senhor não pode querer os dois!
Veja como está se comportando! — gritou o Sr. Zaturecky, dominado por uma cólera desesperada.
Coisa estranha, eu tinha de repente o sentimento de que o Sr. Zaturecky queria realmente seduzir Klara. Explodi e comecei por minha vez a gritar:
O senhor se acha com o direito de pregar moral? O senhor é quem deveria apresentar as mais completas desculpas à nossa secretária.
Virei as costas ao Sr. Zaturecky e ele saiu da sala titubeante, desamparado.
Até que enfim! — disse com um suspiro, depois desse combate difícil, mas vitorioso, e acrescentei dirigindo-me à Sra. Marie: — Acho que agora ele vai me deixar em paz com esse parecer!
Depois de um minuto de silêncio, a Sra. Marie perguntou-me timidamente:
E por que o senhor não redige o parecer?
Porque o artigo dele, minha cara Marie, é um amontoado de asneiras.
E por que o senhor não escreve um parecer dizendo que é um amontoado de asneiras?
E por que cabe a mim escrevê-lo? Por que devo fazer inimigos?
A Sra. Marie me olhava com um grande sorriso indulgente quando a porta abriu-se de novo; o Sr. Zaturecky apareceu com o braço levantado:
Vamos ver quem vai pedir desculpas!
Proferiu essas palavras com uma voz estridente e desapareceu.
Milan Kundera, in Risíveis Amores

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