quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Nada sei sobre Deus

Dou o nome de Deus ao êxtase do corpo tocado pela Beleza. Se uso a palavra Deus é como metáfora poética: nada de conhecimento. Nada sei sobre Deus. Deus é um significante que nada significa. Como se fosse um poema que não pretende conter um conhecimento. Um poema não vale pela verdade que supostamente poderia conter, mas pela beleza que contém. Assim é, para mim, o nome Deus... Deus é o nome que damos à ausência que habita o corpo. Quando oramos “venha o teu Reino”, estamos invocando o retorno dos objetos amados perdidos que moram na saudade.
Faço meus poemas sobre o meu vazio, que é o único que experimento. Em obediência ao mandamento sacramental de que o pão e o vinho sejam bebidos na dor da ausência. A magia não está nem no pão nem no vinho, presentes; mas nas palavras que dizem a tristeza da falta e a esperança da volta. O sacramento é uma celebração da ausência de Deus.
Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. Os deuses dos tigres são tigres. Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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