Greta
Garbo me escreveu na semana passada, perguntando se a esqueci. Isto
porque todos os anos lhe mando um cartão de Natal, que ela agradece
com outro, e assim temos mantido acesa a minúscula mas duradoura
chama da nossa perene amizade.
Dezembro
último, a Garbo não recebeu a minha mensagem. Esperou-a até maio,
supondo que se houvesse extraviado, e que o correio, finalmente, a
fizesse chegar às suas mãos.
A
verdade é que não faltei a essa grata obrigação, mas, não sei
por que, em vez de botar no envelope o nome e endereço da minha
amiga, escrevi os de Marlene Dietrich, que jamais conheci na vida, a
não ser em filme, e cujo endereço figurava numa revista sobre a
mesa.
Marlene
devolveu-me o cartão (em que figurava o nome de Garbo) sem qualquer
comentário. E eu, encabuladíssimo, não tive ânimo de encaminhá-lo
à verdadeira destinatária, transcorridos meses.
Venho
meditando sobre a troca, sem chegar a conclusão alguma. Terei
pretendido, subconscientemente, ofender Marlene, revelando-lhe minha
preferência pela Garbo? Seria de mau gosto. Estaria, no fundo da
minha admiração, substituindo uma por outra? Não posso acreditar.
Dar-se-á que procurei fundir as duas estrelas num corpo único,
juntando naturezas tão diversas? Van Jafa, que já morreu, poderia
ajudar-me a destrinçar o enigma.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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