quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Governar

Os garotos da rua resolveram brincar de governo, escolheram o presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
Pois não — aceitou Martim. — Daqui por diante vocês farão meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a minha segurança. Januário será meu ministro da Fazenda e pagará o meu lanche.
Com que dinheiro? — atalhou Januário.
Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a caixinha do governo.
E que é que nós lucramos com isso? — perguntaram em coro.
Lucram a certeza de que têm um bom presidente. Eu separo as brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual com os professores. Vocês obedecem, democraticamente.
Assim não vale. O presidente deve ser nosso servidor, ou pelo menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
Eu sou o presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser presidente é moleza? Já estou sentindo como este cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a República.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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