[…]
Estou convencido que
perseveraríamos amigos pela vida inteira, se ela, a tal, a vida, não
se encarregasse de nos roubar essa grandeza.
Pouco depois de formados, ano que foi de
hesitação pra nós, eu querendo estudar pintura mas “isso não
era carreira”, ele medicina, mas os negócios prendendo a São
Paulo a gente dele, uma desgraça me aproximou de Frederico
Paciência: morreu-lhe o Pai. Me devotei com sinceridade. Nascera em
mim uma experiência, uma... sim, uma paternidade crítica em que as
primeiras hesitações de Frederico Paciência puderam se apoiar sem
reserva.
Meu amigo sofreu muito. Mas, sem indicar
insensibilidade nele (aliás era natural que não amasse muito um pai
que fora indiferentemente bom) me parece que a dor maior de Frederico
Paciência não foi perder o Pai, foi a decepção que isso lhe dava.
Sentiu um espanto formidável essa primeira vez que deparou com a
morte. Mas fosse decepção, fosse amor, sofreu muito. Fui eu a
consolar e consegui o mais perfeito dos sacrifícios, fiquei muito
mudo, ali. O melhor alívio para a infelicidade da morte é a gente
possuir consigo a solidão silenciosa duma sombra irmã. Vai-se pra
fazer um gesto, e a sombra adivinha que a gente quer água, e foi
buscar. Ou de repente estende o braço, tira um fiapo que pegou na
vossa roupa preta.
Mário de Andrade, in Frederico
Paciência
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