domingo, 11 de agosto de 2019

Prestidigitações da beleza

A sensibilidade à beleza é tanto mais viva quanto maior for a proximidade da felicidade. Tudo encontra no Belo a sua própria razão de ser, seu equilíbrio interno e sua justificação. Concebe-se um belo objeto somente como ele é. A beleza de um quadro ou de uma paisagem encantar-nos-ão ao ponto de não podermos, contemplando-os, representá-los perante nós de forma diversa da que eles já nos aparecem. Colocar o mundo sob o signo da beleza equivale a afirmar que ele é exatamente como deveria ser. Numa tal visão, tudo não passa de esplendor e harmonia e os aspectos negativos da existência apenas acentuam seu charme e brilho. A beleza não salvará o mundo, mas ela pode aproximar-nos da felicidade. Num mundo de antinomias, pode ela mesmo, acaso, ser salva? O Belo - e eis o seu atrativo e sua natureza particular - somente constitui um paradoxo de um ponto de vista objetivo. O fenômeno estético expressa este prodígio: representar o absoluto pela forma, objetivar o infinito por meio de figuras finitas. O absoluto-na-forma - incarnado numa expressão finita - apenas pode aparecer àquele que foi invadido pela emoção estética; mas de qualquer outra perspectiva, que não a do Belo, ele torna-se uma contradictio in adjecto. Todo ideal de beleza comporta assim uma quantidade de ilusão impossível de avaliar. E ainda mais grave: o postulado fundamental deste ideal, segundo o qual este mundo é tal como deveria ser, não resiste à mais elemental das análises. O mundo deveria ser qualquer outra coisa, menos o que ele é.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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