quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Federico...


Federico Fellini se divertia com o espanto do seu produtor.
Você está brincando comigo, Federico.
Não, não. É verdade.
Não acredito.
Mas é verdade. Meu próximo filme terá dois personagens. No máximo três.
Eu estou sonhando.
E só um cenário.
Já sei. O Coliseu, todo pintado de rosa.
Não. Um apartamento.
Um apartamento enorme...
Um apartamento de tamanho médio. De classe média. Decoração normal.
Me belisca. Eu estou sonhando.
Você não está sonhando.
Já sei. Já vi tudo. Os personagens sonham. Sonhos espetaculares. Manadas de elefantes fosforescentes passeando pelas ruas da Babilônia.
Não. Nenhum sonho. Apenas os dois personagens, acordados, dentro de um apartamento comum.
Só isso?
Só.
Você não quer que eu mande construir um navio em tamanho natural?
Não.
Você não quer que eu encontre uma mulher com três metros de altura?
Não.
Dezessete anões com chifres?
Não.
Um hermafrodita albino?
Pra que toda essa gente? Eles só encheriam o apartamento.
E esses personagens, que tamanho têm?
São pessoas comuns, de tamanho normal. Um homem e uma mulher. Talvez uma empregada, para servir o chá.
Tamanho normal também?
Normalíssimo.
Federico! Olhe aí, eu estou até arrepiado. É tudo com que eu sempre sonhei! Uma história intimista. Uma produção sem problemas. Principalmente um orçamento baixo. Até que enfim!
Que bom que você gostou.
Tem certeza de que você não vai querer nem um elefante?
Nem um gato.
Deus seja louvado.
Bem, talvez um gato.
Certo.
Caolho.
Um gato caolho. Não tem problema.
Dez gatos caolhos.
Dez?
Oitocentos.
Federico...
Isso. Oitocentos gatos caolhos. Mil. Os gatos estão por todo o apartamento. O casal não consegue sentar ou dormir por causa dos gatos. Os gatos comem a empregada. Os gatos ocupam todo o prédio. Toda a cidade! É isso! A cidade está tomada por gatos caolhos. Milhões de gatos caolhos. Anote aí: um milhão de gatos caolhos. Só o casal ainda não foi comido pelos gatos, porque...
Federico…
Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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