Federico
Fellini se divertia com o espanto do seu produtor.
— Você
está brincando comigo, Federico.
— Não,
não. É verdade.
— Não
acredito.
— Mas
é verdade. Meu próximo filme terá dois personagens. No máximo
três.
— Eu
estou sonhando.
— E
só um cenário.
— Já
sei. O Coliseu, todo pintado de rosa.
— Não.
Um apartamento.
— Um
apartamento enorme...
— Um
apartamento de tamanho médio. De classe média. Decoração normal.
— Me
belisca. Eu estou sonhando.
— Você
não está sonhando.
— Já
sei. Já vi tudo. Os personagens sonham. Sonhos espetaculares.
Manadas de elefantes fosforescentes passeando pelas ruas da
Babilônia.
— Não.
Nenhum sonho. Apenas os dois personagens, acordados, dentro de um
apartamento comum.
— Só
isso?
— Só.
— Você
não quer que eu mande construir um navio em tamanho natural?
— Não.
— Você
não quer que eu encontre uma mulher com três metros de altura?
— Não.
— Dezessete
anões com chifres?
— Não.
— Um
hermafrodita albino?
— Pra
que toda essa gente? Eles só encheriam o apartamento.
— E
esses personagens, que tamanho têm?
— São
pessoas comuns, de tamanho normal. Um homem e uma mulher. Talvez uma
empregada, para servir o chá.
— Tamanho
normal também?
— Normalíssimo.
— Federico!
Olhe aí, eu estou até arrepiado. É tudo com que eu sempre sonhei!
Uma história intimista. Uma produção sem problemas. Principalmente
um orçamento baixo. Até que enfim!
— Que
bom que você gostou.
— Tem
certeza de que você não vai querer nem um elefante?
— Nem
um gato.
— Deus
seja louvado.
— Bem,
talvez um gato.
— Certo.
— Caolho.
— Um
gato caolho. Não tem problema.
— Dez
gatos caolhos.
— Dez?
— Oitocentos.
— Federico...
— Isso.
Oitocentos gatos caolhos. Mil. Os gatos estão por todo o
apartamento. O casal não consegue sentar ou dormir por causa dos
gatos. Os gatos comem a empregada. Os gatos ocupam todo o prédio.
Toda a cidade! É isso! A cidade está tomada por gatos caolhos.
Milhões de gatos caolhos. Anote aí: um milhão de gatos caolhos. Só
o casal ainda não foi comido pelos gatos, porque...
— Federico…
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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