terça-feira, 16 de julho de 2019

O engano de uma confiança excessiva

Dez minutos se passaram, depois um quarto de hora, e a moça não voltava.
Martin me tranquilizava:
Não tenha medo, se há uma coisa de que estou certo, é que ela voltará. Nosso número foi perfeitamente convincente e a menina estava deslumbrada.
Eu também pensava o mesmo, de sorte que ficamos esperando, cada minuto avivando nosso desejo por essa adolescente quase criança. Enquanto isso, já havíamos deixado passar a hora marcada para nosso encontro com a moça de calça de veludo. Estávamos tão absorvidos pela imagem da garota de branco que nem pensávamos em nos levantar.
E o tempo estava passando.
Escute, Martin, acho que ela não virá mais — disse finalmente.
Como é que você explica isso? Ela acreditou em nós como em Deus Pai.
É isso. Foi justamente nossa desgraça. Ela acreditou demais.
E daí? Você por acaso queria que ela não acreditasse?
Sem dúvida teria sido melhor. Uma fé muito ardente é a pior aliada. — Embalado nessa ideia comecei um discurso: — A partir do momento em que tomamos uma coisa ao pé da letra, a fé transporta essa coisa para o absurdo. O verdadeiro defensor de uma política nunca leva a sério os sofismas dessa política, mas somente os objetivos práticos que se escondem atrás dos sofismas. Pois os clichês políticos e os sofismas não são feitos para serem acreditados. Servem mais como pretexto geral de fácil aceitação; os ingênuos que os levam a sério descobrirão neles, mais cedo ou mais tarde, as contradições, começarão a se revoltar e terminarão sendo desonrosamente considerados como hereges ou renegados. Não, uma fé excessiva nunca traz algo de bom, não apenas aos sistemas políticos ou religiosos, mas até mesmo ao próprio método de que nos servimos para atrair essa moça.
Não o compreendo mais — disse Martin.
No entanto é bem compreensível: para esta moça nós fomos apenas dois senhores muito sérios e ela quis se comportar bem, como uma menina educada que cede seu lugar no bonde às pessoas mais velhas.
Mas então, por que não teria se conduzido bem até o fim?
Justamente porque teve muita confiança em nós. Levou a alface para a mãe e lhe contou tudo com entusiasmo: o filme histórico, os etruscos na Boêmia... e a mamãe...
Martin cortou-me a palavra:
É... Estou compreendendo o que se seguiu. — Depois se levantou.
Milan Kundera, in Risíveis amores

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