Domingo,
quando te vi cheia no céu, sobre a Lagoa - e nunca te vira assim tão
cheia - juro que morri de ciúmes, Bem-Amada. Já não eras mais
moça. Os olhos mecânicos de Lunik-9, pousados sobre o teu corpo,
fotografavam-te em tua desnudez. Ai de mim, já não eras só minha.
Nunca mais os doces colóquios noturnos, só tu e eu, e o Infinito
recolhido em silêncio para o nosso amor. Nunca mais os grandes
êxtases solitários, tu transtornada de paixão, a descobrir só
para os meus olhos as partes mais pudendas do teu luminoso corpo.
Nunca mais os grandes delírios declamatórios, versos desvairados a
partir de mim para os teus espaços.
Nunca
mais, porque eu estava certo de que embora os pretendentes fossem
muitos, o único mesmo era eu. Eu era o teu eterno poeta, o menestrel
da tua melancólica beleza, o sacerdote máximo do teu culto.
Representavas para mim a lemanjá do Céu, a deusa de cuja pele
branca irrompe luz, a uiara do canto merencório e ausente, cuja
música envolve e atrai os pescadores do verbo. Tua cabeleira de
prata estendia-se no Cosmos, vinha envolver minha tristeza com sua
mansa claridade. Às vezes, virgem demente, parecias me provocar.
Sacavas da treva teu divino seio e o suspendias, alabastrino, para a
minha contemplação, como o faria uma menina pervertida com um homem
prisioneiro, apenas para aumentar seu sofrimento, levá-lo aos
abismos da loucura.
Ou
te deixavas, Lua menina, reclinada em tua rede branca, a me fazer
juras de amor para sempre, tua voz sussurrante soando nos claustros
do meu silêncio, a me dizer que era melhor assim, de longe, de bem
longe, no módulo mesmo do mistério: que eu tivesse paciência, pois
eras em verdade minha, mais do que de qualquer outro poeta ou
trovador, porque só para mim te movias, Lua Nova, alteando os
quartos do minguante para o crescente, do crescente para o
plenilúnio, em virginal despudor. E era como se eu te possuísse e
fecundasse ao longo de tuas fases, e só para mim retornavas - eu que
mais que nenhum outro havia sido o teu poeta e fiel cavaleiro; eu que
sobre ti dissera as palavras mais lindas e sentidas; eu que
descobrira antes que ninguém que és neta de Oxum, filha do Mar,
ilha da Terra boiando no Universo: feita na mesma combustão que
criou minha matéria; que és enfim, Iemanjá do Céu, a sereia
luminescente do olhar verde-prata, que atrai com seus inaudíveis
cantos hialinos os poetas que tiveram a temeridade de olhar para o
Infinito.
Sim,
senti ciúmes de ti, Lua Mulher. Senti ciúmes porque já agora, em
algum lugar no teu mar das Tormentas, um pequenino Robô terrestre
pesquisa com olhos cobiçosos a superfície branca do teu ventre. E
mais ciúmes senti ainda porque, ao ver-te domingo sobre a Lagoa,
soube que te havias dado ao jovem conquistador. Estavas rósea de
vergonha, Lua Cheia, e mantinhas os olhos baixos para não fixar os
meus.
Pobre
de mim, que fazer? Aos cinquenta anos, como competir com o atlético
e ousado Lunik que venceu mais de trezentos mil quilômetros para te
conquistar, com risco de sua própria estrutura? Não viste com que
delicadeza pousou ele sobre teu corpo, que os cientistas pensavam
recoberto de uma espessa camada de poeira, mas que, ao contrário,
leva apenas uma fina e perfumosa mão de talco lunar? Não, ao poeta
resta apenas reconhecer que, doravante, terá que repartir teus
encantos com os homens da Técnica. Mas o que ninguém sabe é que
quem te colheu fui eu, “porque eu fui o grande íntimo da noite,
colei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa”...
Por
isso não pensem os soviéticos que Lunik foi... l'unique.
Único uma ova! Antes dele já o poeta brasileiro havia “passado a
Lua na cara” em boas condições. Leiam a balada “O poeta e a
lua”, em sua Antologia poética, e depois me digam...
E
ainda me vêm com essa banca de Lunik...
L'unique...
aqui, ó!
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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