sexta-feira, 26 de julho de 2019

15/09/92 - 01:06

E ainda falam do bloqueio do escritor. Acho que fui mordido por uma aranha. Três vezes. Reparei nesses três grandes vergões vermelhos no meu braço esquerdo na noite de 08-9-92. Pelas nove da noite. Doíam um pouco quando tocava. Decidi ignorá-los. Mas depois de uns 15 minutos, mostrei as marcas a Linda. Naquele dia, ela tinha estado num pronto-socorro. Alguma coisa tinha deixado um ferrão em suas costas. Era depois das nove da noite, tudo fechado a não ser a Emergência do hospital local. Já havia estado lá antes: tinha caído numa lareira quente quando estava bêbado. Não tinha caído direto no fogo, mas caí na superfície quente e estava só de calção. Agora, era isso. Esses vergões.
Acho que vou me sentir um idiota indo lá só com esses vergões. Lá tem gente ensanguentada por acidentes de carro, facadas, tiros, tentativas de suicídio e tudo o que tenho são três vergões vermelhos.”
Não quero me acordar de manhã com um marido morto”, Linda disse.
Pensei nisso por 15 minutos e daí disse: “Tudo bem, vamos lá”.
Estava calmo lá dentro. Uma senhora no balcão estava ao telefone. Ficou no telefone por um tempo. Daí, terminou.
Sim?”, perguntou.
Acho que fui mordido por alguma coisa”, eu disse. “Talvez devessem dar uma olhada.”
Disse a ela meu nome. Eu estava no computador. Última consulta: época da tuberculose.
Me levaram para uma sala. A enfermeira fez o de sempre. Pressão sanguínea. Temperatura.
Daí, o médico. Ele examinou os vergões.
Parece ser uma aranha”, ele disse, “em geral, mordem três vezes.”
Me deram uma injeção contra tétano, uma receita para alguns antibióticos e um pouco de Benadryl.
Fomos até uma farmácia de plantão para comprar as coisas.
Tinha que tomar uma cápsula de Duricef 500 mg a cada 12 horas. O Benadryl, uma a cada quatro horas.
Comecei. E aí que está. Depois de um dia ou mais, me sentia do mesmo jeito que na época que tomava antibióticos para tuberculose. Só que então, por causa da minha fraqueza, eu mal conseguia subir e descer as escadas, tinha que me arrastar pelo corrimão. Agora, só tinha essa sensação nauseante, esse embotamento na cabeça. Doente no corpo, vazio na cabeça. Pelo terceiro dia, sentei na frente deste computador pra ver se surgia alguma coisa. Só fiquei sentado ali. Deve ser assim que você sente quando ela finalmente deixa você. E não há nada que você possa fazer. Aos 72 anos, é sempre possível que ela me deixe. A capacidade de escrever. Era um medo. E não era quanto à fama. Ou quanto ao dinheiro. Era quanto a mim. Eu era mimado. Eu precisava da fuga, do divertimento, da liberação do escrever. A segurança do escrever. O maldito trabalho disso. Todo o passado não significava nada. A reputação não significava nada. Tudo o que importava era a linha seguinte. E se a próxima linha não surgisse, eu estaria morto, mesmo que, tecnicamente, estivesse vivo.
Já parei de tomar os antibióticos há 24 horas, mas ainda me sinto embotado, um pouco doente. Falta brilho e gás neste texto. Azar, garoto.
Agora, amanhã, devo ir ao meu médico de sempre para ver se preciso de mais antibióticos. Os vergões ainda estão lá, apesar de menores. Quem sabe por quê?
Ah, sim, a amável senhora do balcão da recepção, assim que eu estava saindo, começou a falar sobre mordidas de aranha. “É, teve esse sujeito de uns vinte anos. Foi mordido por uma aranha, agora está paralítico da cintura pra cima.”
É mesmo?”, perguntei.
É”, disse ela, “e houve um outro caso. Esse sujeito...”
Deixe pra lá”, disse a ela, “temos que ir embora.”
Bem”, ela disse, “tenham uma boa noite.”
Você também”, eu disse.
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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