E
ainda falam do bloqueio do escritor. Acho que fui mordido por uma
aranha. Três vezes. Reparei nesses três grandes vergões vermelhos
no meu braço esquerdo na noite de 08-9-92. Pelas nove da noite.
Doíam um pouco quando tocava. Decidi ignorá-los. Mas depois de uns
15 minutos, mostrei as marcas a Linda. Naquele dia, ela tinha estado
num pronto-socorro. Alguma coisa tinha deixado um ferrão em suas
costas. Era depois das nove da noite, tudo fechado a não ser a
Emergência do hospital local. Já havia estado lá antes: tinha
caído numa lareira quente quando estava bêbado. Não tinha caído
direto no fogo, mas caí na superfície quente e estava só de
calção. Agora, era isso. Esses vergões.
“Acho
que vou me sentir um idiota indo lá só com esses vergões. Lá tem
gente ensanguentada por acidentes de carro, facadas, tiros,
tentativas de suicídio e tudo o que tenho são três vergões
vermelhos.”
“Não
quero me acordar de manhã com um marido morto”, Linda disse.
Pensei
nisso por 15 minutos e daí disse: “Tudo bem, vamos lá”.
Estava
calmo lá dentro. Uma senhora no balcão estava ao telefone. Ficou no
telefone por um tempo. Daí, terminou.
“Sim?”,
perguntou.
“Acho
que fui mordido por alguma coisa”, eu disse. “Talvez devessem dar
uma olhada.”
Disse
a ela meu nome. Eu estava no computador. Última consulta: época da
tuberculose.
Me
levaram para uma sala. A enfermeira fez o de sempre. Pressão
sanguínea. Temperatura.
Daí,
o médico. Ele examinou os vergões.
“Parece
ser uma aranha”, ele disse, “em geral, mordem três vezes.”
Me
deram uma injeção contra tétano, uma receita para alguns
antibióticos e um pouco de Benadryl.
Fomos
até uma farmácia de plantão para comprar as coisas.
Tinha
que tomar uma cápsula de Duricef 500 mg a cada 12 horas. O Benadryl,
uma a cada quatro horas.
Comecei.
E aí que está. Depois de um dia ou mais, me sentia do mesmo jeito
que na época que tomava antibióticos para tuberculose. Só que
então, por causa da minha fraqueza, eu mal conseguia subir e descer
as escadas, tinha que me arrastar pelo corrimão. Agora, só tinha
essa sensação nauseante, esse embotamento na cabeça. Doente no
corpo, vazio na cabeça. Pelo terceiro dia, sentei na frente deste
computador pra ver se surgia alguma coisa. Só fiquei sentado ali.
Deve ser assim que você sente quando ela finalmente deixa você. E
não há nada que você possa fazer. Aos 72 anos, é sempre possível
que ela me deixe. A capacidade de escrever. Era um medo. E não era
quanto à fama. Ou quanto ao dinheiro. Era quanto a mim. Eu era
mimado. Eu precisava da fuga, do divertimento, da liberação do
escrever. A segurança do escrever. O maldito trabalho disso. Todo o
passado não significava nada. A reputação não significava nada.
Tudo o que importava era a linha seguinte. E se a próxima linha não
surgisse, eu estaria morto, mesmo que, tecnicamente, estivesse vivo.
Já
parei de tomar os antibióticos há 24 horas, mas ainda me sinto
embotado, um pouco doente. Falta brilho e gás neste texto. Azar,
garoto.
Agora,
amanhã, devo ir ao meu médico de sempre para ver se preciso de mais
antibióticos. Os vergões ainda estão lá, apesar de menores. Quem
sabe por quê?
Ah,
sim, a amável senhora do balcão da recepção, assim que eu estava
saindo, começou a falar sobre mordidas de aranha. “É, teve esse
sujeito de uns vinte anos. Foi mordido por uma aranha, agora está
paralítico da cintura pra cima.”
“É
mesmo?”, perguntei.
“É”,
disse ela, “e houve um outro caso. Esse sujeito...”
“Deixe
pra lá”, disse a ela, “temos que ir embora.”
“Bem”,
ela disse, “tenham uma boa noite.”
“Você
também”, eu disse.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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