sábado, 27 de julho de 2019

As fontes do mal

Como combater a infelicidade? Combatendo nós mesmos: compreendendo que a fonte do mal encontra-se em nós. Se pudéssemos nos dar conta a cada instante de que tudo é função de uma imagem refletida em nossa consciência, de amplificações subjetivas e da acuidade de nossa sensibilidade, nós alcançaríamos o estado de lucidez em que a realidade retoma suas verdadeiras proporções. Não reivindico aqui a alegria, mas um grau menor de infelicidade.
É um sinal de resistência permanecer firme no desespero, bem como o é de deficiência cair na imbecilidade após uma infelicidade prolongada. Precisa-se, para diminuir a sua intensidade, de uma verdadeira educação e de um grande esforço interior. Apesar disso, todo o esforço está fadado ao fracasso se seu objetivo for atingir a felicidade. O que quer que se faça, somente há de ser feliz aquele que escolher a via da infelicidade. Pode-se passar da alegria à tristeza, mas este é um caminho sem volta. Isto significa dizer que a felicidade pode reservar surpresas muito mais dolorosas do que as que reserva a sua contraparte. Aquela faz com que consideremos perfeito o mundo tal como se apresenta; esta nos faz desejar que ele seja, antes de tudo, diferente do que é. E, ainda que tenhamos consciência de que a infelicidade encontre em nós mesmos a sua origem, nós transformamos fatalmente um defeito subjetivo em deficiência metafísica.
A infelicidade nunca será suficientemente generosa para reconhecer suas próprias trevas e as improváveis luzes do mundo. Tomando nossa miséria subjetiva por um mal objetivo, cremos poder alegar nosso fardo e dispensar-nos das censuras que nos deveríamos fazer. Na realidade, esta objetivação acentua nossa infelicidade, e, apresentando-a como uma fatalidade cósmica, interdita-nos todo o poder de diminuí-la ou de torná-la mais suportável.
A disciplina da infelicidade reduz as inquietudes e as surpresas dolorosas, atenua o suplício e controla o sofrimento. Acontece aí uma dissimulação do drama interior, uma discrição da agonia.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

Nenhum comentário:

Postar um comentário