Que
fim levou o Roger Vadim? Não é uma preocupação trivial. É que
aquela geração que ficou adulta, ou coisa parecida, no mesmo
momento em que Brigitte Bardot revelava o seu popô ao mundo, viveu,
desde então, uma certa confusão intelectual. Sabíamos que alguma
coisa importante tinha nos acontecido no novo cinema francês, mas
sempre imaginamos que fosse algo sério, uma proposta de engajamento
pela arte, a idéia de que a segunda sessão do Ópera era não uma
perda de tempo, mas um aprendizado para a luta possível. Resnais,
Godard, talvez Chabrol, mas jamais Vadim, um juvenil e um
inconseqüente. E hoje, mais velhos e safados, descobrimos que o que
estava nos acontecendo de importante era mesmo o popô da Brigitte.
Vadim é que era o cara. Levamos muitos anos para reconhecer esta
admiração secreta. E hoje nos perguntamos, com remorso acumulado:
que fim levou o nosso herói?
A
Brigitte era virgem quando casou com o Vadim. Dado histórico. E
Vadim transformou a sua esguia virgem provinciana no símbolo mundial
do sexo sem culpa. Brigitte foi a primeira magrinha. Com ela, Vadim
deflorou todas as convenções do erotismo no cinema. A tradição
literária de Candide, da ingenuidade solta num mundo pecaminoso,
Vadim substituiu pelo ideal juvenil da sensualidade sem pecado e sem
castigo. Com Brigitte, ao contrário de Candide, a inocência vencia
porque atacava primeiro. A inocência predatória, com o popô de
fora, irresistível. Nenhum filme político teve tanta influência
nos costumes do mundo, ou foi mais divertido.
Jane
Fonda também era virgem quando encontrou Vadim, pelo menos
simbolicamente. Jovem americana, poucas ideias, mas grandes pernas,
tentando a Europa. Saiu do casamento com Vadim com uma filha e uma
consciência social, mas aposto que ele, hoje, quando pensa nela,
deve se lembrar só das pernas. Quem mais? Meu Deus, Catherine
Deneuve. A que, segundo o José Onofre, está sempre com ar de
gripada, mas que mesmo assim nenhum intelectual de esquerda jogaria
fora. Ele a teve também. E a Annette Stroyberg. E — ouço a
plateia do Ópera exultando no escuro, lá se vão muitos anos de
respeito e inveja — nenhuma jamais se queixou!
Que
fim levou esse cara? Retirou-se para a vida contemplativa, o campo,
alguns cachorros e suas memórias? Ficou impotente e agora só tem
prazer flagelando velhas camponesas? Trabalha para a televisão? Ou
nós estamos só mal informados e ele continua fazendo filmes que
nunca chegam ao Brasil? Vadim nunca foi um grande diretor. É um
herói cultural reabilitado porque sabia, muito antes do que qualquer
um de nós, que para ser um intelectual, hoje em dia, basta parecer
um intelectual. Duas ou três ideias e uma gola rulê, se tanto.
Ninguém vai checar as suas credenciais. Todas as veleidades
intelectuais de Vadim ele satisfez em alguns filmes profundos na
superfície e, no fundo, superficiais, mas redimidos pelo seu vigor
juvenil, pelo seu gosto em fazer cinema. Tinham a aparência de algo
muito importante, não era preciso mais nada. Na época nós
exigíamos mais do cinema do que uma superfície atraente. Hoje
sabemos que o cinema de Vadim era só um pretexto para dormir com a
atriz, e isso nos parece uma grande conquista cultural, e um consolo.
Pois se não mudamos o mundo nem com luta nem com arte — pois se
nem saímos de Porto Alegre — podemos dizer que não queríamos
mudar nada mesmo. Queríamos é dormir com a Brigitte. Vadim nos
realizou a todos.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquetes com os deuses
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