quarta-feira, 15 de maio de 2019

Tango do viúvo

Comecei a ter dificuldades em minha vida particular. A doce Josie Bliss foi-se obcecando e se apaixonando até adoecer de ciúme. A não ser por isso talvez eu tivesse ficado indefinidamente junto dela. Sentia ternura por seus pés nus, pelas flores brancas que brilhavam na sua cabeleira escura. Mas seu temperamento a levava a um paroxismo selvagem. Tinha ciúme e aversão às cartas que me chegavam de longe, escondia meus telegramas sem abri-los, olhava com rancor o ar que eu respirava.
Às vezes era despertado por uma luz, um fantasma se movia atrás do mosquiteiro: era ela, vestida de branco, brandindo o longo e afiado punhal indígena, era ela, rondando horas inteiras em redor da cama sem se decidir a me matar. “Quando morreres, meus temores se acabarão”, dizia. No dia seguinte celebrava misteriosos ritos para resguardar minha fidelidade.
Acabaria me matando. Por sorte recebi uma mensagem oficial que participava minha transferência para o Ceilão. Preparei minha viagem em segredo e um dia, abandonando minha roupa e meus livros, saí da casa como de costume e embarquei no navio que me levaria para longe.
Deixava Josie Bliss, espécie de pantera birmanesa, com a maior dor. Apenas o barco começou a jogar nas ondas do golfo de Bengala, pus-me a escrever o poema “Tango do Viúvo”, trágica peça de minha poesia destinada à mulher que perdi e que me perdeu porque em seu sangue crepitava sem descanso o vulcão da cólera. Que noite tão grande, que terra tão solitária!
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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