E
a história?
Bem,
ela se inicia no enorme quintal de uma senhora chamada Oniria.
Oniria
é meio mágica também, mas só quando entra na cozinha. Imaginem
que, com ovo, farinha de trigo, manteiga e chocolate, ela consegue
fazer explodir um bolo que é gostoso até para rei e rainha.
Pergunto a você: quem é a pessoa mágica na cozinha de sua casa?
Nesse
quintal que visitei e cheirei, o que havia? Havia uma árvore enorme
chamada figueira — e galos e galinhas.
Tudo
corria em paz naquela zona: a chuva alimentava a bela figueira, o Sol
lhe dava vida.
Oniria
fazia bolos, sem contar que. além do milho que os galos e galinhas
comiam, o terreno era cheio de minhocas, sobretudo depois que chovia,
oh terra boa.
Oniria
gostava muito da grande figueira e das aves. Tinha até um livro que
ensinava como fazer para as galinhas botarem ovo forte: era dando
água, em vez de fria e pouca, morninha e muita. Quanto à figueira,
Oniria punha de vez em quando nas suas raízes terra adubada de onde
ela tirava comida com vitamina.
Entre
os galos e as galinhas existiam duas aves muito importantes porque
eram inteligentes, bondosas e protegiam os seus amigos. Eram como o
rei e rainha do galinheiro. O galo se chamava Ovidio. O ‘O’ vinha
do ovo, o ‘vidio’ era por conta dele. A galinha se chamava
Odissea. O ‘O’ era por causa do ovo e o ‘dissea’ vinha por
conta dela.
Aliás
o mesmo acontecia com Oniria: o ‘O’ do ovo e o ‘niria’ porque
assim queria ela. Casada com o seu Onofre. Bem, você já sabe que o
‘O’ de Onofre era em homenagem ao ovo — você adivinhou certo:
o ‘nofre’ era malandragem dele. E patati e patatá. Au-au-au!
Assim
corria a vida. Mansa, mansa.
Os
homens homenzavam, as mulheres mulherizavam, os meninos e meninas
meninizavam, os ventos ventavam, a chuva chuvava, as galinhas
galinhavam, os galos galavam, a figueira figueirava, os ovos ovavam.
E assim por diante.
A
essa altura, você deve estar reclamando e perguntando: cadê a
história?
Paciência,
a história vai historijar. E é para agora mesmo. Começa assim: Era
um dia de domingo, sem nenhum programa, sem nenhum divertimento, era
um dia de nada. Quer dizer, nada acontecia. Tudo igual. O Sol
cantando. De pura tagarelice as galinhas cacarejavam. Mas a calmaria
não durou muito. E a culpa foi da figueira que não se sabe por que
nunca dera figos.
(Pirilim-pim-pim,
pirilim-pim-pim, pirilim-pim-pim)
Clarice
Lispector, in Quase de verdade
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