terça-feira, 7 de maio de 2019

O dia em que Ludo salvou Luanda

Na parede da sala de visitas estava pendurada uma aquarela representando um grupo de mucubais a dançar. Ludo conhecera o artista, Albano Neves e Sousa, um tipo brincalhão, divertido, velho amigo do cunhado. Ao princípio, odiou o quadro. Via nele um resumo de tudo o que a horrorizava em Angola: Selvagens celebrando algo – uma alegria, um augúrio feliz – que lhe era alheio. Depois, pouco a pouco, ao longo dos compridos meses de silêncio e de solidão, começou a ganhar afeto por aquelas figuras que se moviam, em redor de uma fogueira, como se a vida merecesse tanta elegância.
Queimou as mobílias, queimou milhares de livros, queimou todas as telas. Foi só quando se viu desesperada que retirou os mucubais da parede. Ia para arrancar o prego, apenas por uma questão de estética, porque lhe parecia mal ali, sem serventia, quando lhe ocorreu que talvez aquilo, aquele pedaço de metal, segurasse a parede. Talvez sustentasse todo o edifício. Quem sabe, arrancando o prego da parede, ruísse a cidade inteira.
Não arrancou o prego.
José Eduardo Agualusa, in Teoria Geral do Esquecimento

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