segunda-feira, 27 de maio de 2019

O culto ao infinito

Não posso falar do infinito sem sentir uma dupla vertigem, interior e exterior - como se, deixando uma existência ordenada, eu me lançasse num redemoinho, movendo-me na imensidão à velocidade do pensamento. Este trajeto tende a um ponto eterno inacessível. Quanto mais se foge para esta incalculável distância, mais a vertigem parece intensa. Seus meandros, sempre estranhos à destreza da graça, desenham contornos tão complicados quanto aos das chamas cósmicas. Tudo não passa de choque e trepidação; o mundo inteiro parece agitar-se numa louca cadência, como se às vésperas do apocalipse. Não há sentimento profundo do infinito sem esta sensação estranha, vertiginosa, da iminência do Fim. O infinito dá, paradoxalmente, tanto a sensação de um fim acessível, quanto a certeza de não se poder aproximar dele. Pois o infinito - no espaço e no tempo - não conduz a nada. Como poderíamos alcançar o que quer que seja no futuro, enquanto temos atrás de nós uma eternidade de fracassos? Se o mundo tivesse sentido, nós receberíamos, no mesmo instante, a revelação. Mas o mundo não tem sentido; irracional em sua essência, ele é, além disso, infinito. O sentido só pode ser concebido, com efeito, num mundo finito, no qual se pode alcançar alguma coisa; um mundo que não tolera o retrocesso, um mundo de referências certas e bem definidas, um mundo assimilável a uma história convergente, tal como quer a teoria do progresso. O infinito não conduz a lugar nenhum, pois tudo nele é provisório e caduco; nada é suficiente para o ilimitado. Ninguém pode provar o infinito sem uma perturbação profunda e única. Como não ficar perturbado, com efeito, se todas as direções se equivalem?
O infinito enfraquece qualquer tentativa de resolver o problema do sentido. Esta impossibilidade concede-me uma volúpia demoníaca e regozijo-me mesmo da ausência de sentido. Para quê ele serviria em definitivo? Não podemos verdadeiramente viver sem ele? O non-sense não se perfaz na embriaguez do irracional, numa orgia ininterrupta? Vivamos, então, já que o mundo é desprovido de sentido! Enquanto não temos nenhum objetivo preciso, nenhum ideal acessível, lancemo-nos sem reservas na terrível vertigem do infinito, sigamos seus meandros no espaço, consumamo-nos em suas chamas, amemo-lo por sua loucura cósmica e sua total anarquia! Esta que faz parte da experiência do infinito - uma anarquia orgânica e irremediável. Não se pode representar a anarquia cósmica quem já não traz em si os germes dela. Viver a infinitude, bem como refleti-la longamente, é receber a mais terrível das lições de revolta. O infinito desorganiza-nos e atormenta - ele compromete as fundações do nosso ser, mas também nos faz negligenciar tudo o que é insignificante, contingente.
Que alívio poder, tendo perdido toda esperança, lançar-se no infinito, mergulhar com todas as forças no ilimitado, participar da anarquia universal e das tensões desta vertigem! Percorrer, como que levado numa corrida extenuante, toda a demência de um movimento ininterrupto, consumir-se no mais dramático elan, pensando menos na morte do que na sua própria loucura, realizar plenamente um sonho de barbárie universal e de exaltação sem limites!
Que ao fim desta vertigem nossa queda não seja uma extinção progressiva, mas que nós continuemos esta frenética agonia no caos do turbilhão inicial. Possa o páthos do infinito abrasar-nos outra vez na solidão da morte, a fim de que nossa passagem para o nada pareça uma iluminação, amplificando ainda o mistério e a falta de sentido deste mundo! Na surpreendente complexidade do infinito, reencontramos, como elemento constitutivo, a negação categórica da forma, de um plano determinado. Processo absoluto, o infinito anula tudo o que é consistente, cristalizado, concluído. A arte que melhor expressa o infinito, afinal, não é a música?, que funde as formas numa fluidez de charme inefável? A forma tende incessantemente a cristalizar o menor fragmento, a eliminar a perspectiva do infinito e do universal; as formas somente existem para subtrair do caos e da anarquia os conteúdos da vida. Toda visão profunda revela a que ponto tal consistência é ilusória aos olhos da vertigem do ilimitado, pois, para além das cristalizações efêmeras, a realidade aparece como uma intensa pulsação. O gosto das formas resulta de um abandono a tudo o que é findo e às seduções inconsistentes da limitação, que distanciam para sempre as revelações metafísicas. Com efeito, assim como a música, a metafísica surge da experiência do infinito. Tanto uma quanto a outra prosperam nas alturas e são portadoras de vertigens. Nunca pude entender que os responsáveis por criar obras capitais em seus domínios não fossem loucos. Ainda mais que todas as artes, a música exige uma tensão tão grande que se deveria, depois de tais momentos, cair num entorpecimento. Se o mundo obedecesse a uma coerência imanente e necessária, os grandes compositores deveriam, no ápice de sua arte, suicidar-se ou perder a razão. Todos aqueles fascinados pelo infinito não se encontram, acaso, na trilha do delírio? Nós temos apenas que fazer a normalidade ou a anormalidade. Vivamos no êxtase do ilimitado, amemos tudo o que não conhece fronteiras, destruamos as formas e criemos o único culto que pode isentar-se: o culto ao infinito.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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