Restitui
o grampo a Virgília, que o repregou nos cabelos, e preparou-se para
sair. Era tarde; tinham dado três horas. Tudo estava esquecido e
perdoado. Dona Plácida, que espreitava a ocasião idônea para a
salda, fecha subitamente a janela e exclama:
-
Virgem Nossa Senhora! aí vem o marido de Iaiá!
O
momento de terror foi curto, mas completo. Virgília fez-se da cor
das rendas do vestido, correu até a porta da alcova; Dona Plácida,
que fechara a rótula, queria fechar também a porta de dentro; eu
dispus-me a esperar o Lobo Neves. Esse curto instante passou.
Virgília tomou a si, empurrou-me para a alcova, disse a Dona Plácida
que voltasse à janela; a confidente obedeceu.
Era
ele. Dona Plácida abriu-lhe a porta com muitas exclamações de
pasmo: - O senhor por aqui! honrando a casa de sua velha! Entre, faça
favor. Adivinhe quem está cá... Não tem que adivinhar, não veio
por outra coisa... Apareça, Iaiá.
Virgília,
que estava a um canto, atirou-se ao marido. Eu espreitava-os pelo
buraco da fechadura. O Lobo Neves entrou lentamente, pálido, frio,
quieto, sem explosão, sem arrebatamento, e circulou um olhar em
volta da sala.
-
Que é isto? exclamou Virgília. Você por aqui?
-
Ia passando, vi Dona Plácida à janela, e vim cumprimentá-la.
-
Muito obrigada, acudiu esta. E digam que as velhas não valem alguma
coisa... Olhai, gentes! Iaiá parece estar com ciúmes. E
acariciando-a muito: - Este anjinho é que nunca se esqueceu da velha
Plácida. Coitadinha! é mesmo a cara da mãe. Sente-se, senhor
Doutor...
-
Não me demoro.
-
Você vai para casa? disse Virgília. Vamos juntos.
-
Vou.
-
Dê cá o meu chapéu, Dona Plácida.
-
Está aqui.
Dona
Plácida foi buscar um espelho, abriu-o diante dela. Virgília punha
o chapéu, atava as fitas, arranjava os cabelos, falando ao marido,
que não respondia nada. A nossa boa velha tagarelava demais; era um
modo de disfarçar as tremuras do corpo. Virgília, dominado o
primeiro instante, tomara à posse de si mesma.
-
Pronta! disse ela. Adeus, Dona Plácida; não se esqueça de
aparecer, ouviu? A outra prometeu que sim, e abriu-lhes a porta.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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